FILIAÇÃO: questões legais e éticas nas sistemáticas de reprodução assistida
ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO*
30/10/2009
Desde que o velho romance bíblico, em seu livro, a gênese, exaltava o “crescei e multiplicai”, que homens e mulheres vêm buscando perpetuar o nome e espécie, por estes caminhos sagrados. Muito embora saiba, que nem sempre programados ou preparados, filhos têm chegado a este mundo, garantindo a existência do instituto da filiação do Código Civil.
É certo que, nesta seara, muitos pais e mães possuem deficiências congênitas, e por isso necessitam buscar amparo, na reprodução assistida, ou mesmo através das gestações substitutas, mais conhecidas por barrigas de aluguel. Outrossim, esse é um território ainda árido de regulamentação, salvo o art. 199 da Constituição Federal de 1998, bem assim, as normativas do Conselho Federal de Medicina. Tirante isso, restam as normas genéricas da Bioética e Biodireito, desprovidas, até certo morto, de regramentos coercitivos.
É bom que se lembre que inúmeras filiações permanecem desconhecidas, e no anonimato, em virtude da ausência de reconhecimento dos pais biológicos. Por isso, deverão ser chamados à responsabilidade, através da Ação de Investigação de Paternidade. Com exceção, de determinados filhos, que já se encontram sob o manto de pais e mães, no contexto da paternidade e maternidade socioafetivas. Que, aliás, pode ser formalizada, através do instituto de adoção, que sempre resgata inúmeros filhos de internatos.
No entanto, o Código Civil, na seara em discussão, salienta que a filiação presume-se dos pais, em relação aos filhos nascidos, em até 180 dias, durante o matrimônio. Bem assim, em até 300 dias, após a dissolução da sociedade conjugal. Mais que isto, inovou o atual estatuto civil, trazendo, também, as presunções de filiações homólogas, quando o pai, em vida ou morto, forneceu o espermatozóide. Ou, na filiação heteróloga, quando o pai consentiu, em vida, ou através de testamento, autorização à cônjuge sobrevivente, para inseminação artificial, com o esperma de terceiro.
A doutrina tem debatido bastante acerca destas inovações civis, principalmente, pela falta de coerência do Legislador, em proteger e resguardar a prole, de possíveis turbatio sanguinis ou patrimonial. Lentamente, aquilo que parecia solução, vai se tornando problema, na medida em que os filhos, louvando-se dos direitos personalíssimos, detêm o direito de conhecer o pai biológico. E, a partir daí, gera-se o grande problema daquele que, inicialmente, apenas quis auxiliar, doando o seu espermatozóide, e agora se vê, envolvido numa questão complexa, tanto de ordem sucessória, como de constrangimento familiar.
No entanto, neste contexto, não se pode ignorar as reproduções assistidas, onde diversos embriões estão congelados em laboratórios, resfriados em botijão de nitrogênio a 196 graus célsius de temperatura, esperando alguém para adotá-los. E, todavia, caso não adotem, estão sendo eliminados. Como se deu recentemente, com os laboratórios da Inglaterra, que convidou milhares de moças jovens, que estivessem, no período fértil, para injetarem os embriões em seus úteros, para serem expelidos, logo em seguida, pela menstruação. E, assim, os aludidos laboratórios estariam isentos da pecha de assassinos. Bem assim, as moças, ao apresentarem o álibi de que não seguraram no colo de seus úteros os embriões implantados, já que no período de menstruação, as mucosas internas do útero, onde o óvulo se alinharia, estão no processo de desmanche ou recomposição, e os óvulos maduros, que não foram fecundados, são expelidos do ovário para as trompas, e em seqüência, excretados pelo canal vaginal, na secreção menstrual, para uma nova postura ovular. E, assim, o embrião, a vida seriam atirados ao ralo, e tudo estaria resolvido, restando camuflada a prática de eliminação de vidas.
Ora, o Código Civil, em seu art. 2.º, exalta que a personalidade civil da pessoa natural, começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Assim, a partir destes dispositivos, merece discutir a filiação e proteção de bebês anencefálos, assim como embriões, que também são vidas.
Segundo as lições biológicas, fecundação é apenas o encontro do óvulo com o espermatozóide. Ao passo que concepção é o momento em que o embrião é implantado no colo do útero, e ali é retido, através de uma mucosa, onde se formam duas bolhas. Uma menor, onde estão as células troncos do embrião, em fase de metástase, ou multiplicação. E outra maior, encobrindo e protegendo aquela, que é a placenta, também ladeada de células-tronco.
Desta forma, vê-se que o instituto da filiação deve ser protegido, por novas técnicas de manipulação da genética ou reprodução assistida, que ignoram a ética, a moral, os bons costumes, e preceitos religiosos. Agora, por exemplo, vê-se que a filiação poderá ser fruto da clonagem reprodutiva, como se deu, por exemplo, com a ovelha Dohli. E não se pode ignorar, que isso, também, já teria ocorrido, com a própria espécie humana, nos quintais dos laboratórios Frankenstein espalhados pelos quatro continentes.
Ora, a idéia da clonagem, ressurge as incoerências da raça ariana, da segunda guerra mundial, onde se pretenderia criar uma raça de seres perfeitos, altos, loiros e olhos azuis, excluindo outras raças e biotipos. Ou seja, categoricamente já está comprovada, que é pela diversidade de raças, que o ser humano se torna resistente. E, neste particular, não se pode tolerar a ciência, sem ética, querer eliminar o embrião anencefálico, através do aborto eugênico, fazendo ressurgir a eugenia, como processo seletivo da espécie.
Nesta vertente, merece refletir que, sempre que as comunidades científicas querem brincar de Deus, a natureza emite a resposta de proporções alarmantes, como se deu, por exemplo, com a ovelha Dohli, que morreu por envelhecimento precoce em suas células. Aliás, insta salientar, que quando Deus quer cópia fiel de suas crias, ele manda os gêmeos univitelínicos. Por fim, cabe um questionamento, neste particular, porque as comunidades científicas, ainda, não conseguiram encontrar um antídoto para erradicar a gripe, o câncer, ou AIDS? Certamente, porque seria um grande prejuízo para as indústrias farmacêuticas e laboratórios.
As discussões atuais acerca das células-tronco, inclusive a partir da autorização do Supremo Tribunal Federal, desde o dia 29 de maio de 2009, no sentido de pesquisa e estudo destas, merece reflexão, inclusive no que diz respeito aos embriões, que serão eliminados, após a retirada das células-troncos não maduras, destes, para terapeuticamente serem utilizadas no auxílio de um outro ser humano, a fim de reparar enfermidades como mal de alzeimer, mal de parkson, infartos, artrites ósseas, paralisias, cirrose hepática, hepatite, gastrites, etc. Ou seja, não se pode querer eliminar uma vida já existente, para garantir a subsistência de outra. É como se visse o mutualismo extroverso, envolvendo na cadeia, apenas a espécie humana.
Neste particular, merece lembrar que os segmentos religiosos têm refutado tais pesquisas, principalmente, em função da eliminação dos embriões, que são vidas. Todavia, têm tolerado em relação às células-tronco maduras, quando extraídas, por exemplo, da placenta, do cordão umbilical, ou da medula óssea do próprio ser humano, para ai serem reempregadas.
Faz necessário destacar que as células-tronco, atual objetivo de estudo de investigação científica, têm o poder e regeneração de órgãos e tecidos, pela multiplicação de células iguais, num sistema de clonagem, que pode ser reprodutiva, quando se busca repetir a espécie, e terapêutica, quando apenas busca a recomposição de tecidos ou órgãos, vitimados por lesões ou moléstias.
Todavia, não se pode ignorar que o processo de células tronco, onde se busca criar embriões, e deste retirar células, extirpando suas vidas, para salvar outras, é antiético e imoral. É crime. Ou seja, criar uma vida, após matá-la, para salvar outra, porque seriam portadoras do mal de Alzheimer. Ora, a vida começa exatamente, naquele momento divino, em que milhões de espermatozóides, na explosão do orgasmo masculino, apenas um, na subida e competição da parede intra-ulterina, irá perfurar o óvulo maduro, gerando a fecundação. Isto não é mágico, isto é divino. Ai, começou a vida, com o dedo de Deus. E o próprio Código Civil brasileiro, em seu artigo 2.º exalta, que a personalidade civil da pessoa natural, começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro.
Muitas confusões levantam, principalmente, a partir do fenômeno da morte cerebral, onde o corpo permanece ligado apenas por aparelhos, para posterior doação de órgãos, diferentemente do que se dá no estado de coma e eutanásia. Portanto, é importante esclarecer que fecundação é o encontro de óvulo e espermatozóide. E concepção, quando o zigoto foi assentado no colo intra-ulterino, com possibilidade de alimentação e desenvolvimento. Onde a mágica da vida carnal foi autorizada por Deus, através da inserção do espírito.
Quando se trata das células-tronco, no contexto da clonagem reprodutiva, faz-se necessário analisar, todas as incoerências, oriundas daí, não só, no que diz respeito aos direitos personalíssimos aviltados, mas acima de tudo as possíveis discriminações implementadas. Pois, certamente, o objeto da clonagem, para se repetir a matéria, dar-se-á, normalmente em relação aos grandes nomes da ciência, esporte, política, e jamais em relação à pessoa natural comum, sem tantas expressões sociais. Assim, vê-se, nestas práticas, atos como se quisesse reavivar as idéias da eugenia, articuladas na 2.ª Guerra Mundial, pelos nazistas, buscando o implemento da raça perfeita, ariana, que são intoleráveis. Principalmente, quando já se sabe que o ideal, para o fortalecimento e resistência da espécie humana seria a miscigenação racial.
As novas técnicas de filiação, ladeadas de ética, moral, bons costumes, e preceitos religiosos, constituem a grande alavanca para garantir a procriação da espécie humana. Inclusive garantindo à muitos pais e mães, com impotência coeundi, implementarem o sonho de perpetuarem a espécie. Todavia, neste contexto, deve-se, antes de tudo, além da observância aos regramentos da Bioética e Biodireito, o necessário planejamento, para que o projeto da filiação, não seja o trauma, antes que a felicidade, de toda uma família.
* Zilmar Wolney Aires Filho. É professor pós-graduado em Direito Processual Civil. Integra o quadro docente da UniEVANGÉLICA em Anápolis-GO.