A VIDA COMO ELA É, DIFERENTE DO CONTO DE FADAS E DE NOVELAS

 

ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO*

 

08/12/2009

 

 

A vida como ela é, revela-se:

- Quando se fecha a porta, marido segue para um lado; mulher, para outro, e os filhos, entre lágrimas, no portal, pedem, por clemência: pai, não vai embora! Será que um dia você volta?

- Quando o pai, embriagado, no regresso ao lar, espanca os filhos apenas porque estes lhes pediram alguns trocados, para adquirir um carrinho, uma boneca.

- Quando o sol se põe, em algum lugar do “Celeiro do Mundo e Pátria do Evangelho”, e a catadora de lixos faz a última sopa de papelão, para iludir o estômago de suas crias, tentando ocultar-lhes a fome.

- Quando a esposa e filhos, por mais um natal, irão ao presídio público, levar o presente do pai, que pela morosidade da justiça e pelo erro judicial, permanecerá preso, por mais um ano.

- Quando a filha engravida, aos 16 anos, e é expulsa de casa, e na busca pela sobrevivência, envolver-se-á na promiscuidade, drogas, até desfalecer, à míngua de assistência, em qualquer banheiro público, numa última tentativa de aborto.

- Quando o filho, após inúmeros anos de convívio afetivo na família, chora ao perceber que não pode mais chamar de pai, àquele que o criou com afeto e carinho, porque o exame do DNA, na sala do juiz, desmentiu toda a sua história, e agora as fotografias e histórias terão que ser eliminadas, principalmente porque o magistrado não reconhece a paternidade socioafetiva.

- Quando o septuagenário vende picolés na praça, ao sol em pico do meio-dia, sem almoço, buscando complementar o seu salário miséria de aposentadoria, e a gangue de pirralhos, toma-lhe os picolés, derrubam o seu carrinho, deixando-o entre lágrimas, que correm por entre rugas, impiedosas, que desenham uma trajetória existencial.

- Quando os pais, ou avós, na terceira ou melhor idade, são isolados nos quartos do fundo da residência, sob argumento de estarem incomo-dando os filhos e netos, e, por isso, serão internados, definitivamente, em qualquer asilo do bairro, em nome da higiene da casa.

- Quando o feto esperneia no útero, de um lado para o outro, fugindo do monstro, que se diz médico, que estudou alguns anos para aprender salvar vidas, e agora, com uma pinça de polico, buscará alcançar a cabeça do bebê, para estourá-la, consumando o mais covarde dos crimes, contra um ser, em formação, que sequer pode se defender! 

- Quando a moça negra, sem passado e sem origem, na Terra de Maomé, em pleno ano de 2009, é apedrejada em praça pública, até a morte, sob acusação de adultério, e o site YouTube, feliz, exalta as imagens, para um público que delira, como se visse, como ontem, cristãos serem estraçalhados por leões nas arenas da antiga Roma.

- Quando, no Vale Tudo, um “Pit-Bull humano” ataca o seu semelhante até a morte, e os picos de audiência das TVs exaltam, em delírio, pelo índice insuperável de audiência alcançado. E ainda chamam isso de modalidade esportiva!

- Quando você regressa à sua terra natal, depois de muitos anos de luta, e agora quer abraçar a sua família, dizendo: “vim, vi e venci”. Todavia, não mais consegue realizar o seu intento, porque a primeira pá de terra já foi atirada sobre o jazigo.

- Quando o Rabino da Galiléia, apenas por difundir a proposta de paz, é açoitado no madeiro infamante até o gólgota, para aí ser crucificado entre dois ladrões.

                   Encarar a face real da vida, sem, contudo, ignorar os seus momentos bons, não significa repelir o otimismo, em nome do pessimismo. Contudo, é sempre bom refletir que exsurge sempre de modo mais gravoso a idéia de viver eternamente sob a égide da ilusão, como vedete social. Tudo isso, apenas por temer a inexorável regra existencial, que iguala homens e mulheres, na condição de filhos de um único Deus.  

                   Na vida, você pode conhecer as suas mazelas, ocultá-las e viver como uma marionete, escondendo a dor, para vender alegria, e viver feliz, segundo exaltava o poeta Antônio Marcos in “Sonhos de um Palhaço”. Todavia, pode, nesta, também, conhecer os dramas, e gostar de comédias e até de aventuras. Mas, uma coisa é certa: A vida como ela é, em seu cotidiano, salvo raríssimas exceções, contradiz os contos de fadas, as trilhas de novelas e de cinemas. Aliás, neste particular, já teria lecionado o extrovertido poeta-compositor, Lobão, in “Chorando no Campo”: “o cinema é só ilusão!

                   Por isso, se você ainda acredita que tem problemas, dores ou dificuldades, quando a vida toda se abre em seu favor, passe a viver, agora, como se fosse o seu último instante existencial, todavia, sem ex-cessos. Pois, o provérbio popular continuar a ensinar gratuitamente: “Viver é a coisa mais rara do mundo, a maioria das pessoas não fazem mais do que existir.”  

 

* Professor Universitário e Advogado.

       

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