Deu uma louca no legislador brasileiro

 

ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO*

 

22/08/2010

 

  

                   Tem sido muito complexo entender que espírito coroa o Legislador, ao confeccionar leis que disciplinem o convívio social. É certo que os interesses e negociatas políticas têm sobrepujado, sobremaneira, as questões de ordem ética, moral e religiosa. Outrossim, o que não se entende é a lógica do regime democrático, onde o povo elege o parlamentar, para representar os interesses da população. Todavia, logo, logo, essa outorga de poderes é ignorada até a próxima safra eleitoreira.

                   Não se pode ignorar que o Legislador adormece em relação aos direitos e garantias fundamentais, insculpidos na Carta Política, os quais já deveriam ter sido implementados, através de políticas públicas imprescindíveis à pacificação social. No entanto, o cidadão tem que se louvar, não raras vezes, do expediente de controle de constitucionalidade, ou da ação civil pública, para alcançar os seus legítimos direitos ain-da não regulamentados. Talvez, por isso, o Conselho Nacional de Justiça tenha, cada vez mais, cravado as espóras nas ancas do Poder Judiciário, fazendo-o legislar, pela via extroversa, através de caminhos que alcancem uma súmula, agora vinculante. Ou seja, é o sistema do common low americano imperando, enquanto o poder legiferante estatal tupiniquim capenga.

                   Muito já se tentou entender a lógica de certas leis, emendas, decretos, serem aceitas ou recepcionadas pela sociedade. Por isso, questiona-se que propósito tinha o Poder Legislativo, em sua atuação legislativa, em tais circunstâncias: brincar de fazer leis, preenchendo o tempo no Congresso Nacional! Noutras vezes, sabe-se que há lobby de determinados seguimentos empresariais, como o da Federação Nacional dos Bancos, que poderá encher o cofre, para a próxima eleição, evitando a regulamentação de juros de 1% ao mês, através da emenda constitucional n. 40. Talvez, por isso, compreenda o esforço redobrado da Casa de Leis, para submeter matérias em votação, varando madrugada à fora, em tempo exíguo. Ou, até mesmo, no período de férias ou recessos, onde as atenções de críticos estejam mais distanciadas.

                   Desta forma, observa-se, por exemplo, a atual reforma do Código Penal, através da Lei 12.015/2009, onde os ilícitos de estupro e atentado violento ao pudor foram fundidos num só tipo – o art. 213 do Código Penal. E, agora, à guisa de ilustração, tapinha de leve no bumbum e beijo roubado, não autorizado, é exclusividade do cinema ou novela. Pois, na vida real, é conduta tipificada como crime hediondo, inafiançável, já que previsto no rol do art. 1.º, inciso V da Lei 8.072/90. Ou seja, os crimes contra a liberdade sexual, atualmente, contra a dignidade sexual, criaram mecanismos capazes de distanciar, ou afastar a pos-sibilidade de casais se aproximarem, através de galanteios e gestos poéticos. Agora, a aproximação só por e-mail ou torpedos, expondo, por imagens, os órgãos ou peças íntimas, incrementando o adultério e crimes virtuais, enquanto a legislação da internet ou eletrônica se emperra no Congresso Nacional. 

                   Na esfera constitucional e civil fizeram uma festa quanto aos direitos personalíssimos, que se diziam intransferíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis. Por isso, a questão da lei por a salvo, desde a concepção dos direitos do nascituro virou piada. Agora, as células tronco, sob a âncora de salvar vidas, matando antecipadamente embriões, é o grande avanço do Supremo Tribunal Federal, que autorizou pesquisas, nesta seara. Desta forma, quando o ministro Joaquim Barbosa disse ao então presidente da Casa, Gilmar Mendes, que saísse às ruas para conhecer o anseio da populi. Talvez tivesse o referido Ministro lembrando, num raro lampejo, que o silogismo do Direito, enquanto ciência dinâmica e flexível reside exatamente aí, na perspectiva de normatizar o fato social que produziu reflexos no ordenamento jurídico. Ou quem sabe, era apenas um momento de descontração dos inatingíveis, para chamar a atenção da mídia, lavando roupa suja em cadeia nacional de rádio, TV e internet. 

                   Mas, a questão não para por aí. Quando se vê a Constituição Federal, com mais de 60 emendas, recebendo o rótulo de colcha de retalhos, questiona-se porque estupraram tantas vezes o texto da Carta Política, que veio para ter a característica de norma estável, rígida, como arcabouço e espinha dorsal do Ordenamento Jurídico pátrio. No entanto, vê-se, em seu bojo, inúmeros dispositivos que jamais serão aplicados, como os impostos sobre grandes fortunas e a aplicabilidade do tão desejado princípio da automação. E mais, apenas o fato de não estarem sendo usados, regulamentados, não significa que foram revogados tacitamente, já que no Brasil não se aplica o fenômeno da revogação pelo desuso. 

                   Sempre sonharam em reduzir a idade penal do menor infrator, a fim de solucionar a questão dos “anjinhos”, que brincam de AR-15. Cuja solução dar-se-ia através do Poder Judiciário, onde sua atual estrutura não resolve sequer a questão dos criminosos adultos. Mas, era preciso tocar na Legislação menorista, na antevéspera das eleições. Enfim, aprovaram, em primeira votação, na Câmara de Deputados, o projeto de Lei, n.º 2654/2003, da Deputada Maria do Rosário, que dispõe sobre a alteração da Lei 8069, de 13/07/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei 10406, de 10/01/2002, o Novo Código Civil, estabelecendo o direito da criança e do adolescente não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, e dá outras providências. Ou seja, estão querendo criar um dispositivo, que proíba as palmadas nas crianças, enfim, qualquer instrumento de correção ou educação escolar, nesses. Agora, professores e pais educadores serão chamados às raias da Justiça da Infância e Juventude, por desejarem corrigir seus próprios filhos. Mesmo em se sabendo, que não raras vezes, esses tenham agradecido, como eu, as inúmeras palmadas no bumbum e os “puchavancos” de orelhas. Aliás, observo, hoje, que eles foram econômicos. Pois, quando minha mãe me chamava de menino levado, e puxava minhas orelhas, eu chorava muito mais de remorso, por vê-la, chorando de outro lado, em virtude de não conseguir me corrigir ou educar, naquilo que entendia por ideal. E, aqui, deixo claro, que a incoerência que vejo, na questão, não se trata dos abusos e violências, que deverão ter tratamento e olhar específico, segundo a conduta criminosa de maus-tratos. Principalmente, em relação à pedofilia que vai das sacristias ao recôndito dos lares.               

                   Quando, na era do analfabetismo do governo Lula, vimos, por exemplo, ser abordada a questão de cotas raciais, querendo evitar discriminações, e por via oblíqua, discriminar, a um tempo só, aqueles de cor acentuada e oriundos de escolas públicas, que não necessitaram de exceções legais, para chegar onde chegaram. Eu lembrei do jurista do século, Rui Barbosa, em seus arroubos proféticos, quando afirmou que: “há tantos burros mandando em letrados, que chego a ter medo da burrice ser considerada ciência.”

                   Mas, eu me recordei que a má interpretação da questão isonômica, também já ocorrera em relação à famigerada e discriminatória Lei Maria da Penha (Lei n. º11.340/06). Discriminatória, sim, porque não assegura o princípio da presunção de inocência, bem assim a formação do devido processo legal, e, por fim, a garantia da isonomia das partes no processo. É muito mais utilizada por mulheres mal amadas e covardes, que não têm coragem de denunciar seus maridos, e vão à Delegacia solicitar aos policiais que não os prendam, mas apenas dêem a esses um lição, para que não batam muito em suas mulheres, quando chegarem em casa, bêbados. E o que é pior, a Lei é discriminatória, no que diz respeito à condição financeira do réu, pois que apenas o pobre será preso em flagrante, já que, com o rico, raramente dar-se-á uma situação flagrancial, e, portanto, pagará a fiança, ficando livre das grades.  Por fim, se outro homem, que não o marido, bater na doméstica, não se aplica ao caso a Lei Maria da Penha, mas a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95). Ou seja, dois pesos e suas medidas.  

                   Enfim, fizeram uma lei, que se espera tenha caráter genérico e abstrato, para reger exclusivamente a violência doméstica nas mulheres. Principalmente, num momento, em que essas, salvo honrosas exceções, mandaram os maridos desempregados para a cozinha, e, por sua vez, as mesmas estão em academias tomando “bomba”, para adquirir músculos, encontrando outras parceiras ou garotos de programa. E, ao chegar em casa, ainda querem bater no marido, porque este resolveu tomar algumas cervejas no bar do João. Ora, em tempo de mulheres emancipadas intelectual, sexual e financeiramente foi o cúmulo do absurdo criar relatividades onde não existam. Criem, portanto, logo, a Lei masculina, “Marido de dá Pena”.

                   Aliás, nos parece que o grande tormento se encontra exatamente em definir a lógica do princípio isonômico, na perspectiva socrática. Ou seja: que os desiguais sejam tratados de forma desigual, dentro das suas próprias desigualdades. Por isso, foi necessário criar o Estatuto do Idoso, para entender essa lógica, e fazer inúmeras palestras e simpósios, para garantir a hipossuficiência do consumidor na Legislação consumerista. É certo que ainda há discrepâncias, neste particular, que têm gerado cismas, por exemplo, a aposentadoria mais cedo da mulher; a licença maternidade alongada em detrimento da paternidade; o foro privilegiado nas ações de alimentos e dissolução da sociedade conjugal. Contudo, o art. 5.º, inciso I, da Carta Política, continua ofertando lições gratuitas de que homens e mulheres são iguais perante a lei, em direitos e obrigações.

                   Ao final, em relação à família, o Legislador que tanto protegeu a entidade familiar, através da regulamentação do casamento, garantindo os direitos dos cônjuges e dos sucessores, inclusive dando efeitos civis ao casamento religioso. Agora, acabou com a separação judicial, com a obrigação dos alimentos ao cônjuge culpado e retirou bruscamente o lapso temporal de 02 anos, para o divórcio. Tudo isso, através da emenda constitucional n. 64, que regulamentou o § 6.º do art. 226, da Carta Magna, cuja emenda está em vigor, desde o dia 14.07.2010. Ou seja, recém-casados, que brigam na lua de mel, poderão por fim ao casamento, no dia seguinte, sem serem obrigados a repensar sobre condutas tomadas no calor da emoção, ou nos vapores etílicos do álcool.

                   A legislação civilista andou bem quando criou mecanismos para facilitar a conversão da união estável em casamento. Depois entendeu que cônjuges brigam, discutem, que acontece a propalada incompatibilidade de gênios, e enfim, o adultério. Legislou-se, portanto, o desquite, que posteriormente recebeu a roupagem de separação consensual ou litigiosa. Outrossim, em 1977, foi criada a Lei 6.515, conhecida por Lei do Divórcio. A partir daí, então, o vínculo conjugal teria fim, dentre outras hipóteses, pelo casamento nulo, anulável e inexistente.

                   Ou seja, com apenas a separação litigiosa ou consensual seria possível restabelecer a sociedade conjugal, o que enxergou o legislador que cônjuges, na constância do casamento, possuem conflitos passageiros, tormentas, que podem ser revistos. No entanto, essas hipóteses já não existem mais. Aliás, a Lei estipulou, como fase judicial, essencial, a tentativa de reconciliação. No entanto, agora com o divórcio, sem tempo para se pensar, asseverou implicitamente que questões de egoísmo, orgulho estão noutro plano. Bem assim, a questão educacional da prole, com os reflexos de pai e mãe, como figuras bem distintas, neste contexto. Ou seja, isto tornou-se figura de somenos importância, a partir da consolidação da união homoafetiva perante os Tribunais pátrios.

                   Ao final, assimila-se que, enquanto o Legislador não alcançar a sua lucidez, terão outros que encontrar uma nova lógica para o próprio Direito e Religião, nas relações sociais. Pois que banalizando o casamento, enfraqueceram, também, a família, na condição de célula máter da sociedade. Agora, terão que explicar que tipo de homens e mulheres, as uniões afetivas estarão encaminhando para a sociedade. E, mais, que tipo de tratamento merecerão os pais e mãe egoístas de hoje, que não foram capazes de abrir mão de suas individualidades, em prol da cria e educação de filhos. Para esses, e para Legisladores em transes de loucura convenientes, quem sabe, asilos públicos ser-lhe-ão muito interessante, na terceira idade, para produzir-lhes memoráveis reflexões sobre um trajeto existencial, de caráter egoísta e individual, antes da inexorável partida a outros planos.

 

                                 

*Advogado e Professor universitário. Especialista em Processo Civil e

Mestrando em Direito Civil

 

       

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