O PERFIL DO ACADÊMICO EM DIREITO,

NA PÓS-REVOLUÇÃO DO ENSINO,

NOS ANOS 90

(A via crucis do sacerdócio no

ensino superior em Direito)

 

ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO*

 

22/08/2010

 

                  

               Apesar da revolução dos anos 90, na educação, o que se observa, no cotidiano, é que o País ganhou mais de 2000 Faculdades de Direito. Só Goiás possui mais de 30, e a cidade de Anápolis-GO, 05 instituições. Assim, o resultado que se vê são inúmeros acadêmicos, despejados, semestralmente, na praça, sem a mínima condição, para o exercício do bacharelado em Direito. Até porque foram treinados para passar em concursos, e principalmente no exame da ordem. Ou seja, foram preparados para memorizar fórmulas, jurisprudências e dispositi-vos legais, e jamais pensar ou refletir sobre isso ou aquilo outro.

               É certo que a Revolução da Educação dos anos 90, é bem diferente da revolução dos anos 60. Aquela possibilitou ampliar o acesso ao sistema de ensino superior, e com isso, também, as consultas a um advogado se tornaram mais acessíveis. De outro lado, o nível profissio-nal caiu sensivelmente. Outrossim, no que diz respeito à Revolução dos anos 30, havia uma tentativa escamoteada de troca de votos, implemen-tada pelos militares, para as próximas eleições.

               Cabe refletir que inovar, na educação, não significa apenas dar azo à gestão pedagoga, para adaptar isso ou aquilo, substituindo a velha regra de que aula ainda continua sendo: “saliva e giz”. O acadêmi-co quer do professor, além do carisma, domínio de público, persuasão de idéias e muita garganta. Por isso, a participação, desse, em inúmeras oficinas de estudos e debates pedagógicos pode contribuir, para alcan-çar soluções mirabolantes, que na prática, revelam-se distante da reali-dade e do anseio do acadêmico. Aliás, seria bem mais simples ao corpo docente implementar as aulas power-points em data-shows, onde após a terceira transparência, o acadêmico, confuso com tantas imagens, já esteja bocejando, e sequer recorde do primeiro tema em debate. Ou seja, com tal conduta, dar-se-ia plenitude ao velho regramento: “eu finjo que ensino, e eles fingem que aprendem.” No final, cria-se o mínimo de embaraços à mercancia de um diploma.

               Muito se fala de que o Bacharel em Direito, ao ingressar na Faculdade, torna-se envaidecido, por fazer parte de um dos cursos mais nobres do País. Ele viaja, nos corredores e escadarias da ilusão, desfi-lando roupas de etiquetas. Esnoba carro importado no estacionamento. E vai superando períodos letivos, através de amizades, colas, traba-lhos, etc. No 3.º período, ele se sente um advogado, pronto para replicar qualquer argumento. Ao chegar ao 5.º e 6.º períodos ele se vê um verdadeiro Promotor de Justiça ou Juiz, num intocável pedestal. E, no 8.º período, incorpora-se da figura de um desembargador, onde não cumprimenta sequer aos professores, que agora, lhes afiguram como ultrapassados. E, por fim, no 9.º período, com a pose de Ministro, rara-mente frequenta as aulas, e lança seus votos e premissas pelos corredores e barezinhos.

                   Contudo, este estudante de Direito só perde o véu da alego-ria acadêmica, no último período, quando a dura realidade escancara aos seus olhos, provocando-lhe o íntimo questionamento: e, agora, o que fazer? Ou seja, percebe que deixou de ser um problema acadêmico, para ser um problema social. Além disso, com a agravante, de que, no mínimo, por um período de 03 a 05 anos, alisará bancos dos cursinhos preparatórios, para conseguir ser aprovado no exame da ordem.

                   Cabe lembrar, que, num segundo momento, de acordo com a condição financeira, o recém-formado sairá para os cursinhos especiali-zados, a fim de fazer simulados, provões, sabatinas em finais de sema-nas. Ou seja, jornadas estressantes de decoreba, desde que consiga a mágica de passar num concurso público de alto salário.

                   Ainda nesta perspectiva, merece refletir que o desespero ainda é maior para o acadêmico em Direito, quando ele busca aplicar os conhecimentos teóricos à pratica. É como se fossem dois mundos totalmente estranhos, pois que o fenômeno da interdisciplinariedade é algo que lhe soa estranho, e de difícil compreensão. E, na sociedade, é assim: se alguém quer saber se há um bom médico, o verá, não naquele que vomita cultura, mas naquele que faz a exitosa cirurgia. Do mesmo modo, o advogado será talentoso, não por possuir a eloquência, ou oratória ladeada de retórica. Mas, quando no exercício de seu mister advocatício, implementa a boa defesa. Enfim, sagra-se vitorioso na complexa causa.

                   Em pesquisas realizadas, no ensino público superior brasilei-ro, vê-se que a grande dificuldade do acadêmico em Direito, está no pensar, no raciocinar. Pois, foi adestrado, na graduação, para decorar, memorizar o maior número de informações possíveis, e ser aprovado num concurso de provas objetivas, que nada ou quase nada avalia. Aliás, tais certames arregimentam, muito bem, um mecanismo psicotéc-nico, para eliminar o maior número de candidatos desatentos, que so-breviviam pelo “chutômetro” em suas avaliações.

                   É certo que muitos desejavam o diploma apenas para melho-rar o salário, através da gratificação de nível superior. Ou, noutra hipóte-se, porque Papai ou Mamãe desejavam ostentar o diploma na sala de estar, para os amigos e parentes. Com tais práticas, os índices contam em desfavor dos portadores de diploma, que, realmente, quiseram hon-rar a classe.

               Merece ressaltar que o Ministério da Educação e Cultura-MEC tem, apertado, cada vez mais, o cerco em relação às instituições de ensino superior, no sentido de estruturar núcleos de pesquisas, fomen-tando despertamentos aos acadêmicos. É certo que toda essa empreita-da colide com o atual nível cultural dos novos acadêmicos, que têm ingressado às salas de aulas, através de um disfarçado vestibular, desde que supra as necessidades financeiras da casa, em dias comple-xos de concorrência. Ou seja, despertar e implementar pesquisas a se-mi-analfabetos, sem qualquer tradição na área. Eis aí, o grande dilema e desafio, a exigir reformulações, por parte do governo, no que pertine às novas concessões e autorizações de cursos superiores, que objetivam apenas graduar incultos nos país, fugindo da pecha dos altos índices de analfabetismo.     

                   Insta salientar que o maior terror para o Acadêmico em Direito, diz respeito ao momento em que terá que fazer uma monografia. Nesta ocasião, por maior que seja, o conhecido “jus esperniandi”, ele terá que provar que foi alfabetizado, durante os 05 anos da academia. E, ao final, que alguma vertente do direito lhe traz inquietação, para desenvolver uma pesquisa monográfica.

                   Enfim, chegado o momento de escolha de tema e orientador da monografia, é hora de tirar o véu. Descortinar a máscara, que o fez caminhar por 10 períodos, até chegar o filtro inexorável da pesquisa. Cabe refletir, que o acadêmico poderá até custear, para que outro confeccione a atividade acadêmica. Todavia, terá que construir uma nova mentira, a cada encontro com o seu orientador. Por fim, como a mentira tem pernas curtas, segundo a lição da vox populi, o desmas-caramento completo virá por ocasião da Banca de Defesa, onde o autor da monografia não poderá substituir ao acadêmico que fez a aquisição.

                   É certo que, nestas circunstâncias, muitos professores, con-descendentes, deixaram de ampliar o debate, a fim de evitar constran-gimento a si mesmos. Já que, os ventos da subsistência, sempre emi-tem notícias, aos ouvidos de ouvir, em dias tenebrosos de concorrên-cias: descomplique, resolva sem alardeios, crie mecanismos para solu-cionar. E, de vigília, as plagas populares fazem alerta de que: “a fila anda.”

                   De outro lado, não se pode ignorar que a lógica econômica das Instituições de Ensino Superior, para contenção de gastos, também, têm afetado, de certo modo, aos acadêmicos, que contam  com número reduzido de professores, para orientação e acompanhamento da pesquisa. Restando, neste particular, reduzidas lições quanto conteúdo jurídico e aos regramentos da ABNT, ou metodologia científica. Enfim, cabe ao graduando ou especialista trilhar rumos desconhecidos, a fim de encontrar a lógica da escolha e delimitação de temas. Problematizan-do-os, para se firmar em objetivos que irão ser perseguidos na constru-ção de um trabalho acadêmico. Aliás, após isso, entender a lógica de concatenação de idéias e estruturação de textos, fica ao alvedrio de anjos inspiradores.

               O professor-pesquisador, além dessas algúrias, tem raros momentos de realização. Ou seja, aqueles 3% ou 5% de acadêmicos, que foram destaques em sala de aula, serão os mesmos que irão pros-perar, produzindo uma boa pesquisa. Por isso, por esses, e por aqueles, que mesmo portadores de limitação, produziram algum esforço, justifica-rá a refrega.  

               Outrossim, no que diz respeito àqueles que já avançaram um pouco nessa caminhada, e objetivam graduar-se mestres, é chegada a hora de reconstruir o pensamento tradicional, empírico e dogmático, transmudando-o para um olhar ou diálogo epistemológico com os Ato-res. Agora, busca-se a construção de uma postura científico-jurídica. Não que se esteja construindo pessoas que se postam como donos de uma verdade absoluta, apresentando rótulos como pós-modernos, não fundamentalistas. 

               Nesta caminhada, vale observar, ainda que com um olhar desconfiado, que as gavetas vão sendo reviradas. E, para trás, é como se visse uma escada, onde os degraus vão caindo, na medida em que o caminheiro-mestrando amplia os seus passos rumo à conquista de um objetivo.

               Repensar maneiras de escrever e pesquisar, tem sido o grande desafio. Agora, não se pode ficar tão preso ao reverencialismo de auto-res juristas, nem tampouco ao sistema de manualismo. Ora, faz-se necessário avançar, ancorado em fundamentos jurisprudenciais atualiza-dos, bem assim, através da ilustração de casos práticos.

               Talvez, por isso, o Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução n. 75, terminou por inserir no contexto dos concursos jurídicos, de nível superior, a exigência de disciplinas, como antropolo-gia, filosofia, ética, ciência, psicologia, sociologia jurídica, economia política, a fim de que a visão do antigo jurista dogmático seja ampliada, libertando-o do estigma de alienado a fundamentação de princípios jurídicos e transcrição de dispositivos legais.

               O novo vôo conclama a erigir, de vez, o velho mundo da filoso-fia grega, ao plano de nostalgia e reminiscências. Agora, é preciso compreender Friedrich Nietzsche desbancando Platão. E, de outro lado, entender o pensamento da teoria pura de Hans Kelsen, ainda que fora do nosso tempo. E, por fim, agregar-se ao contexto sociológico de Max Webber, tão combatido por Émile Durkheim, a fim de pensar a economia e política. Novos nomes vão agregando e a leitura ampliando-se, tal como Ronald Dworkin. E, enfim, assimila-se que se achávamos que Karl Max tinha sido um fracasso em seu tempo, os seus estudos ainda refletem, hoje.

               Noutra parte, insta salientar que mesmo em conflito com a propalada falta de tempo, existente em relação aos juristas-profissionais, antes que pesquisadores, ou bolsistas exclusivos, a fila continua andando. E, por tudo isso, não se tolera mais os escapes, na narrativa, a fazer breves incursões e críticas políticas e sociais, com notável falta de domínio. Faz-se necessário manter fiel a axiologia jurídica.

                   À guisa de derradeira reflexão, cabe realçar o que o emérito docente, João Magalhães Cavalcante, continua ofertando lições gratuitas, aos que, por privilégio, cruzam o seu caminho, quando salienta que: “o ensinar vem do coração, e não apenas dos lábios.”

 

TÓPICOS:

- Acadêmicos são treinados para memorizar, e não pensar, refletir

- A concorrência entre as faculdades de direito desqualificou o ensino

  superior.

- Lição dogmática contrapõe a necessária interdisciplinariedade

 

                                 

*Advogado e Professor universitário. Especialista em Processo Civil e

Mestrando em Direito Civil