BRASILEIRO
É BESTA QUE NEM CAJU(1)
Wilson
José Rodrigues Gomes*
Dia
desses, estava à toa na vida, sem lenço e sem documento, enquanto
corria a barca do tempo, cantarolando uma paródia de uma música de efêmera
duração: “Tô nem aí, tô nem aí, eu quero é comer arroz com
pequi”. Mas providencial socorro me tirou desse devaneio, pois não
sabia mesmo que rumo daria ao resto da música. Foi quando minha filha
me falou: pai, quero dinheiro para comprar a fantasia da festa do
Halloween na escola.
Num
átimo, relembrei que na minha infância em Dianópolis, tal comemoração
se resumia num mamão ou abóbora representando uma cabeça, com orifícios
assinalando os olhos, nariz , boca e dentro um toco de vela acesa, que
à noite era colocada em ponto estratégico, revestida da previsível e
inócua tentativa de amedrontar alguém. O evento era conhecido como Dia
das Bruxas.
Hoje
não se fala mais Dia das Bruxas, quem não quebrar o espinhaço da língua
para falar Halloween, (que prefiro falar raloim) estará fadado a
ser cremado e cruelmente sepultado no aterro sanitário cultural.
O raloim se tornou um rentável negócio, máxima do capitalismo
de rapina reinante, com amplo espaço na mídia, fazendo parte do calendário
folclórico brasileiro e para horror dos horrores, também como folguedo
escolar.
Horror
dos horrores, porque o
raloim não tem absolutamente nada a ver com nossa cultura. Isso é mais
um produto transgênico da safra do irmão metamaterialista do Norte da
Terra.
Até
careca brasileiro eriça os cabelos quando ouve falar em globalização
da economia, mas não se atina para a mais cruel das globalizações: a
da cultura. Esta fere fundo. Manipula os sentimentos,
escraviza a cidadania, enclausura o pensamento, enceguece a visão
crítica e pode sepultar a soberania de uma nação inteira.
Até
hoje não compreendi porque o sistema educacional brasileiro tem que
adotar, em regime obrigatório, o idioma inglês. Há
mais de uma década, faço tácita pesquisa e ainda não
encontrei ninguém que tenha aprendido esta língua, no ensino oficial.
Em contrapartida, tem elevado a carga horária escolar dos alunos e
contribuído substancialmente para o aumento do custo dos materiais didáticos
que têm peso de chumbo no já tão combalido orçamento doméstico da
maioria dos brasileiros.
Para
não correr o risco de acabar meus dias confinado numa masmorra, quero
deixar claros dois pontos: o primeiro refere-se
aos professores de inglês, que merecem o nosso respeito, não é
a eles que este ensaio se dirige, nos circunscrevemos apenas ao campo da
discussão filosófica (ou sociológica?) e não trabalhista. O segundo,
é que não se trata de nenhum atentado contra o idioma inglês, que
igualmente merece nosso respeito. Não se pode esquecer de que no atual
contexto político, tecnológico, científico, financeiro, etc., este
idioma é ferramenta básica. Mas que poderia, como de fato ocorre, ser
aprendido nas escolas especializadas em idiomas, de acordo com o momento
e as necessidades de cada um, e não ser imposta pelo próprio Governo,
como uma condição indispensável para todos os cidadãos brasileiros,
indistintamente.
Há alguns meses, esteve no Brasil um dos papas mundiais na área de propaganda e marketing, do qual não me lembro o nome agora, que na ocasião concedeu entrevista às paginas amarelas da revista Veja. Disse ele, que o povo brasileiro é alegre e criativo, mas que sofre de profunda e duradoura crise de auto-estima. O moço não poderia ser mais realista.
São
muitos os
brasileiros que acham que o mundo todo presta, menos o Brasil. E
realmente parece que é um vício falar mal do Brasil. Maximizam os
pontos positivos de outros países, enquanto do Brasil maximizam os
negativos.
Ficam
alguns meses nos States e voltam falando delivere em vez
de entrega em domicílio; feed back em vez retorno, retroalimentação;
lay out em vez de arranjo físico e por aí vai, numa flagrante
falta de amor à Língua Pátria e vil desprezo pela vasta e rica
cultura do povo brasileiro.
Isso
faz lembrar
certas pessoas, que tempos atrás saíam de Dianópolis para trabalhar
em Brasília, geralmente na copa/cozinha ou como orêa seca (igualzinho
nos States), quando voltavam, meses depois, vinham falando cantado
com “sss” e “xxx”, como cariocas do cerrado. Já não
conheciam mais pequi, mutamba, jatobá da casca fina, puçá, etc. e
perguntando se tinha táxi para o Mombó, numa época em que o táxi
mais próximo ficava a mais 700 quilômetros, exatamente em Brasília.
Concluindo, leia o título novamente e veja se é aplicável a você.
(1)
A expressão “besta que nem caju”, é devido esta fruta, no
entendimento do sertanejo, ser a única cuja semente fica pelo lado de
fora.
*Advogado, com pós graduação em gestão ambiental e consultor de empresas na área de saúde e segurança do trabalhador.