BRASILEIRO É BESTA QUE NEM CAJU(1)

 

24/08/2004 

Wilson José Rodrigues Gomes*

 

Dia desses, estava à toa na vida, sem lenço e sem documento, enquanto corria a barca do tempo, cantarolando uma paródia de uma música de efêmera duração: “Tô nem aí, tô nem aí, eu quero é comer arroz com pequi”. Mas providencial socorro me tirou desse devaneio, pois não sabia mesmo que rumo daria ao resto da música. Foi quando minha filha me falou: pai, quero dinheiro para comprar a fantasia da festa do Halloween   na escola.

Num átimo, relembrei que na minha infância em Dianópolis, tal comemoração se resumia num mamão ou abóbora representando uma cabeça, com orifícios assinalando os olhos, nariz , boca e dentro um toco de vela acesa, que à noite era colocada em ponto estratégico, revestida da previsível e inócua tentativa de amedrontar alguém. O evento era conhecido como Dia das Bruxas.

Hoje não se fala mais Dia das Bruxas, quem não quebrar o espinhaço da língua para falar Halloween, (que prefiro falar raloim) estará fadado a ser cremado e cruelmente sepultado no aterro sanitário cultural.  O raloim se tornou um rentável negócio, máxima do capitalismo de rapina reinante, com amplo espaço na mídia, fazendo parte do calendário folclórico brasileiro e para horror dos horrores, também como folguedo escolar.

Horror dos horrores, porque  o raloim não tem absolutamente nada a ver com nossa cultura. Isso é mais um produto transgênico da safra do irmão metamaterialista do Norte da Terra.

Até careca brasileiro eriça os cabelos quando ouve falar em globalização da economia, mas não se atina para a mais cruel das globalizações: a da cultura. Esta fere fundo. Manipula os sentimentos,  escraviza a cidadania, enclausura o pensamento, enceguece a visão crítica e pode sepultar a soberania de uma nação inteira.

Até hoje não compreendi porque o sistema educacional brasileiro tem que adotar, em regime obrigatório, o idioma inglês. Há  mais de uma década, faço tácita pesquisa e ainda não encontrei ninguém que tenha aprendido esta língua, no ensino oficial. Em contrapartida, tem elevado a carga horária escolar dos alunos e contribuído substancialmente para o aumento do custo dos materiais didáticos que têm peso de chumbo no já tão combalido orçamento doméstico da maioria dos brasileiros.

Para não correr o risco de acabar meus dias confinado numa masmorra, quero deixar claros dois pontos: o primeiro refere-se  aos professores de inglês, que merecem o nosso respeito, não é a eles que este ensaio se dirige, nos circunscrevemos apenas ao campo da discussão filosófica (ou sociológica?) e não trabalhista. O segundo, é que não se trata de nenhum atentado contra o idioma inglês, que igualmente merece nosso respeito. Não se pode esquecer de que no atual contexto político, tecnológico, científico, financeiro, etc., este idioma é ferramenta básica. Mas que poderia, como de fato ocorre, ser aprendido nas escolas especializadas em idiomas, de acordo com o momento e as necessidades de cada um, e não ser imposta pelo próprio Governo, como uma condição indispensável para todos os cidadãos brasileiros, indistintamente.

Há alguns meses, esteve no Brasil um dos papas mundiais na área de propaganda e marketing, do qual não me lembro o nome agora, que na ocasião concedeu entrevista às paginas amarelas da revista Veja. Disse ele, que o povo brasileiro é alegre e criativo, mas que sofre de profunda e duradoura crise de auto-estima. O moço não poderia ser mais realista.

São muitos os brasileiros que acham que o mundo todo presta, menos o Brasil. E realmente parece que é um vício falar mal do Brasil. Maximizam os pontos positivos de outros países, enquanto do Brasil maximizam os negativos.

Ficam alguns meses nos States e voltam falando delivere em vez de entrega em domicílio; feed back em vez retorno, retroalimentação; lay out em vez de arranjo físico e por aí vai, numa flagrante falta de amor à Língua Pátria e vil desprezo pela vasta e rica cultura do povo brasileiro.

Isso faz lembrar certas pessoas, que tempos atrás saíam de Dianópolis para trabalhar em Brasília, geralmente na copa/cozinha ou como orêa seca (igualzinho nos States), quando voltavam, meses depois, vinham falando cantado com “sss” e “xxx”, como cariocas do cerrado. Já não conheciam mais pequi, mutamba, jatobá da casca fina, puçá, etc. e perguntando se tinha táxi para o Mombó, numa época em que o táxi mais próximo ficava a mais 700 quilômetros, exatamente em Brasília.

Concluindo, leia o título novamente e veja se é aplicável a você.

 

(1) A expressão “besta que nem caju”, é devido esta fruta, no entendimento do sertanejo, ser a única cuja semente fica pelo lado de fora.

 

*Advogado, com pós graduação em gestão ambiental e consultor de empresas na área de saúde e segurança do trabalhador.

 

       

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