E
NÓS, PARA ONDE VAMOS?
Wilson
José Rodrigues Gomes
12/08/2004
Quando
o então presidente da República, Fernando Collor de Melo, às margens do
Canal da Mancha bradou que o Brasil fabricava carroças ao invés de carros,
nem de longe imaginava que a partir daquele momento a indústria automobilística
brasileira sofreria profundas transformações.
Naquele
período jurássico da indústria automobilística brasileira, era
perfeitamente possível reconhecer todos os veículos que circulavam por estes
tristes trópicos só pelo zumbido dos motores. Hoje, além da variada gama de
modelos, os modernos veículos que circulam pelas ruas do país não deixam dúvidas
de que, ao alcunhar seus ancestrais de carroças o presidente estava sendo
benevolente.
Foi
numa dessas ruas que meses atrás fui deparar com um desses belos modelos, que
deslizava suavemente pela bem urbanizada avenida da Capital, sem ruídos,
quase sem poluição, ambiente interno climatizado, a julgar pelos vidros
escuros fechados, aerodinâmica futurística, enfim, a própria elegância
sobre rodas. Para admirar mais demoradamente aquela maravilha da tecnologia,
na pista ao lado reduzi a marcha. Foi neste momento que ocorreu a tragédia:
suavemente o vidro da porta do condutor baixou e uma mão masculina atirou na
lustrosa avenida, uma latinha de cerveja.
Os
supostos 320 mil vocábulos que compõem a língua portuguesa não são
suficientes para descrever minha profunda decepção naquele momento. Meu
silencioso discurso em milésimos de segundo virou uma peça rota.
O
que teria induzido aquele cidadão a violar princípios tão primários de
civilidade, como o respeito à legislação de trânsito e preservação do
meio ambiente? A causa imediata logo
se diagnostica: falta elementar de educação. E a causa remota? Esta é mesmo
remota.Tão remota que se confunde com o próprio florescer da “civilização
humana”.
Com
o advento da criação do ser humano, a ele foram agregadas pelo Criador, duas
ferramentas imprescindíveis à sua evolução: a mente e o espírito. Porém,
desde os primórdios da humanidade, as religiões, não será exagero incluir
todas, exerceram controle totalitário sobre as manifestações oriundas do
espírito, sob a alegação de que tão notória faculdade não poderia ser
deixada ao alcance do povo rude, pois poderia fazer mau uso dela. Daí, esse
bem que é um patrimônio de toda a humanidade, ficou restrito aos caprichos
de pouquíssimas pessoas, como sacerdotes, iniciados, pitonisas e uns poucos
privilegiados.
Assim,
enquanto a espiritualidade era mantida às ocultas, as faculdades da mente não
sofreram maiores restrições e se consolidaram como fator preponderante ao
progresso da humanidade. Os milênios transcorreram e o pensamento
fortaleceu-se. Vieram as invenções, os cálculos, as artes, as descobertas,
as ciências, a tecnologia, a comunicação de massa, etc.
Como
conseqüência do crasso erro praticado em priscas eras e perpetuado através
dos séculos, vivemos hoje em uma sociedade espiritualmente estúpida,
caracterizada por materialismo, utilitarismo, egocentrismo míope. Uma
sociedade onde imperam em grande profusão, valores destituídos de consistência
moral, com poderes tão devastadores que podem desvirtuar de forma irreversível,
o ser humano. Esse fenômeno pode ser identificado universalmente como
“mal”.
A
filósofa e física, Danah Zohar, em sua obra, Q. S. Inteligência Espiritual,
ensina: “O mal é uma coisa
real, uma força que pode agir em nós e nos dominar por completo. Há atos
maus, com conseqüências horrivelmente más. O mal em si, porém, é uma
forma de possessão, uma falta de reação à realidade mais profunda que
existe em nós. Não há pessoas más, mas sim pessoas possuídas pelo mal”.
É
pela marcha perene do espírito que o ser humano aperfeiçoa sua consciência.
E é na consciência que está impresso todo o conjunto de leis emanadas da
Providência Divina, cujo fim precípuo é nos conduzir com segurança pelos
perigosos caminhos da vida na Terra. Devido ao embotamento das faculdades
espirituais que o ser humano experimenta hoje, ele pode ser comparado a uma
bela ave, mas que não sabe voar, pois tem uma das asas atrofiada.
Uma
desusada máxima popular assim se expressa: “De pano ruim não se faz um bom
saco”. Como poderia a humanidade estar hoje singrando por mares serenos com
uma falha estrutural dessa gravidade?
Reportando
à cientista Danah Zohar: “A força vital, integradora, do centro (Deus) está
presente em todos os seres vivos e, em especial, nos seres humanos, devido à
natureza de nossa consciência. Muitos ignoram a relação que mantêm com o
centro, ignoram que o todo da realidade universal jorra dentro deles. Muitos
se alienam do centro. Mas o centro está sempre ali, mesmo que inalcançável”.
“A
cultura do tipo ocidental, onde quer que exista no globo, está saturada do
imediato, do material, da manipulação egoísta de coisas, experiências e
pessoas. Usamos mal nossos relacionamentos e o meio ambiente, da mesma maneira
como usamos mal nossos sentidos humanos mais profundos. Sofremos de uma terrível
pobreza de imaginação simbólica. Ignoramos as qualidades humanas e nos
concentramos em, cada vez mais freneticamente, fazer coisas, em atos de
“ganhar e gastar”. Negligenciamos tristemente o sublime e o sagrado que
existe em nós, nos outros e no mundo”.
O
psiquiatra e psicólogo austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997), vaticina:
“A busca de sentido é a principal motivação da vida do homem. É essa
busca que nos torna as criaturas espirituais que somos. E quando essa
necessidade profunda de sentido deixa de ser satisfeita é que a vida nos
parece rasa ou vazia. Hoje em dia, no caso de muitos de nós, essa necessidade
não é atendida, e por isso a crise fundamental de nosso tempo é de natureza
espiritual”. (grifamos).
Certo,
essa crise de natureza espiritual é a causa remota (e imediata) de todas as
desventuras que açoitam a raça humana. Não apenas de defenestrar latinhas
de cerveja, que é um delito de somenos importância, mas de outras muitíssimo
mais graves, como a crescente criminalidade, a corrupção generalizada, o egoísmo
exacerbado, as guerras absurdas, os vícios, a vaidade, a exploração do
homem pelo homem, o tráfico de drogas, o desvirtuamento moral dos jovens e um
interminável rosário de nefastas atitudes, que decididamente não condizem
com um ser que foi feito segundo a imagem e semelhança de Deus.
O
mundo em que vivemos está cada vez mais tecnicista e menos humanizado, de
“muita ciência e pouca humildade”. Onde o “ter” é mais notável do
que o “ser”. Onde amanhã os carros e as máquinas irão migrar para um
estágio ainda mais evoluído, moderno e sofisticado.
E
nós, para onde vamos?
*Advogado, com pós graduação em gestão ambiental e consultor de empresas na área de saúde e segurança do trabalhador.