JOÃO SABINO

 

WILSON JOSÉ RODRIGUES GOMES

26/05/2005

 

 

 

  

“No ano 281 a.C., Pirro, rei de Epiro, pretendia conquistar Roma, o Perigo do Ocidente, da mesma maneira que Alexandre conquistara a Pérsia, o Perigo do Oriente. Para perseguir esse intento, atravessou o Mar Jônio (Adriático) com um exército considerável, composto de 25 mil homens de infantaria, 3 mil de cavalaria e 20 elefantes”.

“Derrotou os romanos em Heracléia, sofrendo, no entanto, perdas enormes em homens e material. Quando Pirro recebeu de um oficial o cumprimento pelo triunfo, respondeu: "Mais uma vitória como essa e estarei arruinado".

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É quase certo que João Sabino sequer já ouviu falar no rei Pirro. Com certeza não conhece também o brocardo “Vitória de Pirro”, hoje muito usado para ressaltar nossos minguados sucessos conseguidos depois de mobilizados hercúleos esforços. E o prezado leitor, já ouviu falar em João Sabino?

“Seu” João Sabino conheci nos idos dos anos sessenta no Instituto Profissional Agro-Industrial São José, hoje Instituto de Menores de Dianópolis. Íntegro colaborador de Hagahús Araújo, que juntamente com Altides de Jesus, lapidava a madeira bruta, forjando os mais variados tipos de móveis na serraria/marcenaria daquela instituição.

Que João Sabino foi um exemplar trabalhador, hoje aposentado, e que continua sendo um respeitável cidadão, não constitui o cerne deste modesto arranjo literário. Evoco aqui uma particularidade que talvez só a ele se aplique: a arte de “assobiar”. Enquanto trabalhava na madeira, assobiava. Assobiava igualmente fora dos horários de expediente, aos domingos, nos feriados, exceto nos “Dias Grandes”, em respeito ao martírio vivido por Cristo. Importante ressaltar que seus assobios fluíam de improviso, como os repentistas fazem com seus versos. Umas vezes saíam dobrados em um só tom, outras em dois tons simultâneos e harmônicos, um fenômeno raro de se ver. Não será exagero afirmar que “seu” João Sabino levava a vida assobiando.

Considerável lapso de tempo se passou depois que deixei minha terra natal. Num desses “julhosque invariavelmente volto às minhas origens, eis que reencontro o mestre João Sabino e lhe pergunto se ainda assobia como outrora e laconicamente ele responde que não. Insisto em querer saber as razões e ele me fala com expressão de desalento que não tem mais motivos para assobiar. Quero saber mais. Ele então filosofa, expõe sua visão crítica, me olha firme e diz que as pessoas hoje são mais tristes, por isso não sente mais vontade de assobiar. Diante de tal argumento me dou conta de que as pessoas hoje não têm mais o hábito de assobiar, ainda não tinha notado isso.

A saciedade atual vive hoje os deleites patrocinados pelas maravilhas da tecnologia, mas incompreensivelmente essa mesma sociedade padece diante de crônicos e graves problemas estruturais. No campo da medicina, os contínuos avanços obtidos jamais foram conhecidos antes pela humanidade, no entanto, ainda morrem pessoas em situação de extremo abandono nas filas dos hospitais públicos. Nunca se produziu tanto alimento no mundo quanto agora, mas metade da humanidade faz regime e a outra metade passa fome. A engenharia edifica magníficas construções, entretanto, as favelas proliferam nas periferias das cidades urbanizadas. Produzem-se riqueza e bens de consumo em abundância, mas igualmente em abundância o desemprego relega ao porão da vida quantos cidadãos e cidadãs em plena fase produtiva. Os meios de comunicação demoliram as milenares barreiras entre os paises, contudo, do outro lado da rua ou no andar de cima alguém está vegetando na solidão.   

“Seu” João Sabino notoriamente tem razão, a doença do século, que assola a humanidade, pode ser diagnosticada pela denominação singela de TRISTEZA. Também identificada sofisticamente como DEPRESSÃO. 

É certo que depois da Segunda Guerra Mundial ficou mais prática e confortável a vida com os avanços da tecnologia. E quanto ao ser humano em si, que progresso teve? Sua espiritualidade, que avanço adquiriu nesse período? Ou nos últimos milênios? Quanta violência ainda grassa pelo mundo! Quanta corrupção campeia solta e indomável em todos os níveis da sociedade! Ser honesto passou a ser sinônimo de besta. Levar vantagem em tudo passou a ser a palavra de ordem.

Ante todos esses (e outros) elementos fáticos, paira a grande dúvida: Será que todas essas conquistas  tangíveis verificadas ao longo dos séculos, não passam de uma monumental VITÓRIA DE PIRRO?

"A verdadeira dificuldade não está em aceitar idéias novas, mas escapar das antigas" .
John Maynard Keynes, economista inglês (1883-1943).

 


 (*) Advogado, técnico de segurança do trabalho e consultor de empresas na área de saúde e segurança do trabalho.

       

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