Caim, de Saramago
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
30-10-2009
“A Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”; “Sem a Bíblia, um livro que teve muita influência em nossa cultura e até em nossa maneira de ser, os seres humanos seriam provavelmente melhores”. Antes que o leitor desavisado possa imaginar que as frases acima são minhas, está enganado. Seu autor é o português, Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, que recentemente lançou o livro Caim, no qual narra de forma irônica a história desse personagem, filho de Adão e Eva e que matou o irmão, Abel. O Jornal do Tocantins publicou na edição de domingo, dia 18 de outubro, uma entrevista com o referido escritor.
Sobre Deus, o autor português disse se tratar de “um ser cruel, invejoso e insuportável, que existe apenas em nossas mentes”. E acrescentou que a obra não causará problemas com a Igreja Católica, “pois os católicos não leem a Bíblia”.
De fato, quem se dispuser a ler a Bíblia verá que as crueldades e absurdos expostos de maneira nua e crua são capazes de chocar até o cristão mais carola. No meu recente livro, lançado em junho deste ano, Livros Sangrentos, discorro exatamente sobre a narrativa inimaginável dos cinco primeiros livros bíblicos, denominados Pentateuco.
Ao contrário de Saramago, não afirmo que a humanidade seria melhor sem a Bíblia, mas creio que, como código moral, sua leitura é dispensável, devendo ser encarada tão somente como literatura ficcional, classificada no gênero “horror”. Para os católicos é mais fácil, já que sua leitura não é nem um pouco incentivada. Os protestantes, que costumam ler com mais assiduidade as palavras ditas sagradas, o fazem sempre com a fiscalização de seu pastor, que escolhe e interpreta as passagens que serão lidas.
Saramago não se conteve e atacou o papa Bento XVI, qualificando-o de cínico, que prega a existência de um Deus imaginário, com quem sequer tomou uma xícara de café. E disse, ainda, que o cérebro humano é capaz de inúmeros absurdos, e o pior deles é Deus.
É difícil não concordar com Saramago em muitas de suas afirmativas, mas também não se pode desprezar o fato de que, por trás disso tudo, há um pouco de marketing, já que seu livro está sendo lançado no mundo todo. Por outro lado, não é de hoje que o escritor vem afirmando o seu ateísmo de forma corajosa, já que Portugal é uma das mais tradicionais nações cristãs. Fazer propaganda de seu livro – é preciso que se diga – é um direito que lhe assiste. Falar mal de Deus também, até por que, para ele, esse ser existe apenas na mente das pessoas.
Penso que a leitura da Bíblia deve ser incentivada, por dois motivos: o primeiro é que nela estão reunidos conhecimentos adquiridos pelo homem ao longo de sua existência; o segundo é que, somente lendo seu texto as pessoas se desvencilharão das amarras das religiões. Talvez ao se deparar com tantos absurdos o leitor perceba que isso tudo só pode ser invencionice, uma forma de se angariar poder e manipular uma horda de crentes ávida por salvação. Se mesmo depois de lê-la o sujeito continuar acreditando, o caso é irreversível. Mas alguns poderão se libertar dessa mentira.
Como resposta a Saramago, a Igreja Católica disse que ele desconhece a Bíblia e sua exegese e que faz dela leituras superficiais. Sinceramente eu achei que o Vaticano o chamaria de louco ou comunista senil. Ao afirmar que o escritor português não entende o que lê no Livro Sagrado, está dizendo que só ela, Igreja, é capaz de desvendar os “mistérios” bíblicos. E o que é pior, deixa no ar a falsa ideia de que é possível interpretar todos aqueles textos esdrúxulos.
Como aconteceu com o seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o Caim de Saramago também foi agraciado com a maior de todas as publicidades: a arrogância da Igreja.
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