Lula e Bento

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

30-10-2009

 

O Brasil e o Vaticano – Lula e o papa Bento XVI – firmaram um acordo “de amizade e colaboração” para reconhecer “o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, os títulos de estudo, o ensino religioso nas escolas públicas, o matrimônio canônico e o regime fiscal”.  No último dia 26 de agosto a Câmara dos Deputados o referendou, através de decreto legislativo, fechando os olhos para a Constituição, que em seu artigo 19, inciso I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Segundo informação que obtive do escritor Zacarias Martins, a matéria está tramitando na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, no Senado. Caso seja aprovada, será enviada à homologação. É claro que os evangélicos vão espernear e reivindicarão os mesmos direitos. Aliás, a Igreja Católica, em que pese o laicismo do Estado brasileiro, sempre gozou de certos privilégios, como os inúmeros feriados em homenagem aos seus santos. Muitos defendem que isso faz parte de uma tradição cultural e, como a própria Constituição defende a cultura, é natural que tais datas sejam mantidas. Mas a questão não é tão simplista assim.

Esse negócio de Estado misturar-se com religião não é boa coisa, basta olharmos um pouco para o Irã. Os religiosos, de modo geral, gostam sempre de dar pitaco nas questões de Estado, imagine se encontrarem respaldo nos seus próprios representantes. A questão do uso da camisinha, por exemplo, sempre despertou discussões dos dois lados. A Igreja é contra o seu uso e proíbe que o sujeito faça sexo antes do casamento. O ministro da saúde, por óbvio, defende o uso da camisinha nas relações sexuais, sem se importar se o coito se dá antes, durante ou depois do matrimônio. A Igreja deseja que todos – mesmo aqueles que não integram seus quadros – obedeçam a seus dogmas e paguem o dízimo. O Estado quer que o povo obedeça às leis e pague seus tributos.

Dia desses, quiseram retirar todos os crucifixos expostos em órgãos públicos, o que está de acordo com os ditames constitucionais, mas não vingou. É comum entrarmos em hospitais, tribunais e secretarias em que a imagem de Cristo está presa n’alguma parede. E se o sujeito for ateu, contribuinte e se sentir incomodado com aquela imagem? O Estado é laico justamente por não ter uma religião oficial e a Carta Magna protege, inclusive, os que não têm crença. A princípio, os santos e as cruzes em órgãos públicos não deveriam ser permitidos. Mas aí entram, de novo, os defensores da tradição. 

Alguns defendem que a Constituição, em seu preâmbulo, invoca Deus. Acontece que o laicismo é relativo à proibição da oficialização de religiões pelo Estado. É possível a crença em Deus, sem religião; mas não há religião sem Deus.  Quando a fé se mete nas questões de Estado o radicalismo e a destemperança são o que de melhor se extrai dessa relação estranha. Fé é subjetivo. Cada um acredita no que quiser e bem entender, é um problema de cada qual. Mas ninguém é obrigado a reverenciar imagens de santos em órgãos públicos e nem deixar de trabalhar nos feriados por conta da crença dos outros.

O acordo firmado por Lula e Bento prevê que o ensino religioso será disponibilizado nas escolas públicas. Isso nitidamente fere o laicismo inserido na Constituição Federal. Se alguém sente necessidade de “um algo mais”, ou se não consegue viver sem acreditar na “vida eterna”, vá a um templo, igreja, mesquita ou sinagoga. Ou, então, frequente um dos inúmeros colégios religiosos que existem por aí. Mas inserir o estudo religioso em escola pública é um disparate perigoso. É claro que os evangélicos também reivindicarão esse direito; aí estaremos diante de um “leilão” sem precedentes. Os pobres alunos serão disputados à unha por padres e pastores. E nem adianta dizer que isso é “de interesse público”, como ressalva a Lei Maior. Religião é assunto privado e o Estado deve ficar o mais longe possível.

                                                              

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires  advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.  

       

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