Sobre o Haiti

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

23/03/2010

 

Espanha, França, Estados Unidos, todos sempre exploraram o Haiti. Foi preciso um terremoto para que o mundo voltasse o seu olhar de soslaio para esse país. O Brasil, é preciso reconhecer, tem feito alguma coisa.

Uma pergunta, que sempre soa cansativa, se faz necessária nesse momento: e Deus? Onde anda? Não faz nada? Não. Dessa vez nem Zilda Arns escapou. Naquela igreja desabada sobrou apenas um grande crucifixo, com Cristo pendurado constrangedoramente.

Vendo o filho de Deus, ali, desolado, me deu uma pena danada. Não dele, mas do povo que o tinha como porto seguro. O haitiano – talvez boa parte dele – continua mantendo sua fé. Será que esse deus misericordioso e justo existe? De quantos terremotos você precisa para repensar sobre tal questão?

Se algum deus existe deve ser algo bem melhor. E para ser justo, é preciso que ele não tenha nada com esse terremoto. Se tiver, os cristãos estão certos: é aquele do Antigo Testamento.

E por que tanta gente, com tanto sorriso na face, passa tanta fome? É o mesmo caso da África. É um povo que sofre, e sofre sem parar ao longo dos séculos. E o mundo nada faz. Quando a Bélgica, através do seu sanguinário rei Leopoldo, explorou o Congo, o resto fez vista grossa. Ele é o cara que mandou matar cerca de dez milhões de congoleses e permitiu o estupro de mulheres africanas por soldados mercenários. Isso sem ter pisado o pé naquele continente.

E os europeus e americanos estão aí, nos dando lições de moral, de como sermos éticos, de “primeiro mundo”. E esses exploradores do passado se derretem em lágrimas, se indignam com a situação de um povo todo, gritam junto com ele, pedem piedade para um deus inexistente.

Na tragédia, estamos todos juntos. Vi na televisão uma menina americana vendendo suco de frutas para ajudar os vitimados haitianos. Um gesto bonito, sem dúvida, afinal ela é apenas uma criança. Alguns adultos ricos – e isso é bom – estão fazendo solidariedade, doando milhões para o povo do Haiti. Por que não fizeram isso antes do terremoto? Ele, o povo daquele país, já estava com fome bem antes disso, vivia mal numa época em que o chão sequer tinha rachado. Mas isso não dava “ibope”.

O Haiti é uma grande oportunidade. O próprio cônsul aqui no Brasil cometeu a gafe de dizer que tudo isso faz bem, afinal a sua terra ficará mais conhecida. E culpou o “vodu” – prática religiosa comum no país – pelos acontecimentos naturais.

Entre todas as perdas irreparáveis, Zilda Arns é uma das mais preciosas. Ela, que detestava cesta básica, que acreditava no potencial humano, deve estar decepcionada com tudo isso. Morrer, assim, no meio da pobreza, não era o que esperava. Diferentemente do que muitos pensam, ela gostava era de bonança, caso contrário não teria lutado tanto contra a miséria.

Desgraça, mesmo, é ver o ser humano fazer da ajuda humanitária uma escada para chegar ao “céu”. Hoje o Haiti está cheio de soldados, aviões, helicópteros, mantimentos, espanhóis, franceses e americanos. E sabe por que esse povo de sorriso na face passa tanta necessidade? Porque não existe verdadeira solidariedade antes de terremotos.  

 

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires  advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.  

 

       

Sair

 

 

          http://www.dno.com.br