Amélia de Ataulfo

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

23/03/2010

  

Dia desses estava na casa dos meus amigos Custódio e Aracy, quando conversávamos a respeito da série Dalva e Herivelto, transmitida pela Rede Globo, momento em que eu dizia não ter tido paciência para assisti-la, já que o grande compositor espancava demais a cantora. O dono da casa se lembrou de uma cena em que Ataulfo Alves concorria com a música Amélia a atenção do público, quando Herivelto apareceu com a sublime Praça Onze. Depois do grande sucesso que foi a melodia, este ouviu daquele o comentário de que sua Amélia jamais seria esquecida, vez que sempre existiriam muitas por aí, ao contrário da Praça, que um dia desapareceria.

Ataulfo estava errado. A Praça Onze continua no mesmo lugar e as Amélias é que desapareceram. Aliás, que bom que elas não existem mais. Imagine uma mulher que não tinha a menor vaidade e achava bonito não ter o que comer? Quem suportaria? Se não tinha vaidade, certamente não fazia as unhas, não depilava e cheirava a cebola e alho. Uma mulher que de nada reclamava, que aceitava todas as peripécias do marido, só podia ser uma chata. Logicamente ela não fazia ginástica e mantinha um grande culote, além de alguns pneuzinhos na cintura.

Verdade seja dita, nem mesmo o Ataulfo suportou a Amélia, pois no início da música ele reclama da mulher com quem morava, que tudo lhe exigia e só pensava em luxo e riqueza. Nesses momentos de fraqueza, sentia falta da Amélia. Eu sou capaz de enxergar ela andando pela cozinha, arrastando seu chinelinho, com aquele sorriso débil na face e fazendo uma sopinha bem rala, quando o marido acordava de ressaca. Ela, com aquelas pernas peludas, a barra do vestido suja e as cutículas imensas. Isso para não falar de outras partes mais íntimas. Como diz um amigo meu, se quer saber se a mulher é limpa, olhe para as unhas dela. Se estiverem sujas, imagine o resto. Amélia não usava esmalte e a sujeira aparecia através da transparência da queratina, sem falar que vestia anágua.   

É certo que ainda existem outros tipos de Amélia, que fazem de conta que não enxergam o caos do casamento, que fecham os olhos para o óbvio e que até fazem sopinha para o maridão de ressaca. Mas elas são cheirosas, depilam, fazem as unhas e andam bem vestidas. Ou seja, têm vaidade.

Amélia, sem dúvida, usava bobs e lenço na cabeça. Tinha um bigodinho saliente contornando seu buço. Era feia, claro. Ela, coitada, não consegue agradar nem as feministas e nem os homens atuais. Na década de 30 pode até ser que alguns marmanjos contentassem com esse tipo, mas hoje a mulher ideal é aquela que trabalha fora, ajuda nas despesas de casa, cuida dos filhos e ainda arranja tempo para estar sempre cheirosa e linda para nós, que temos ojeriza de Amélias. 

Nos momentos de desavenças e desespero é comum que muitos homens suspirem com saudades da Amélia. Tenho certeza que uma noite com ela seria suficiente para o maior dos arrependimentos. Ataulfo reclama em sua música que era um pobre rapaz e não tinha condições de manter a vida boa da mulher exigentíssima, por isso sentia tanta falta da ex. Se Vinícius disse que beleza é fundamental, eu acrescentaria que asseio também. Entre Amélia e a Praça Onze, eu prefiro esta última. E ponto final.

 

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

*Dídimo Heleno Póvoa Aires  advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.  

 

       

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