Chororô no Cocho

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

10/06/2010

                                                    

O Cocho foi um bar que abrigou gerações de boêmios. Desde a época do “Seu” Chiquinho, meu pai já frequentava o ambiente, hábito que herdei assim que os primeiros goles de cerveja desceram por meu esôfago adentro. Houve uma época em que ficávamos ali, sentados em tamboretes inclinados na ladeira, observando os transeuntes enquanto beliscávamos o sal e pimenta pisados por Frans e acondicionados em cochinhos em miniaturas de madeira (daí o nome do Bar), criticando qualquer deslize, comentando sobre os aspectos físicos e morais dos que estavam sob o crivo de nossas vistas. Sem dúvida, um aspecto não muito positivo, mas é fato.

Certa vez um infeliz resolveu passar nas imediações do Bar dirigindo um carro, pronto para “tirar a carteira”, com todo o afobamento de principiante, acompanhado de um instrutor carrancudo. Um grupo de rapazes, inebriado pelo efeito do álcool, resolveu atazanar a vida do pobre coitado, com gritos e vaias, o que contribuiu para que ele jogasse o carro em cima do meio-fio, para o deleite geral. 

Era comum que assobiássemos quando passava uma garota só para vê-la “perder o rebolado”, já que ficava constrangida com tantos marmanjos de olho no seu traseiro. Não sei se é lenda, mas conta-se que uma moça trajada com um shortinho minúsculo, ao subir a ladeira do Cocho numa bicicleta, daquelas com marcha, ante a fricção provocada pelo vai-e-vem do selim pontudo e duro em suas partes íntimas, teve um orgasmo quase na porta do Bar, caindo da “magrela” com os olhinhos revirados. Tenho para mim que isso não passa de invencionice, mas não deixa de ser inusitado. 

Em torno do futebol, muitos encontros foram protagonizados ali. Quando o campeonato carioca ainda era digno de ser apreciado, costumávamos no reunir no Cocho para assistir aos embates de Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Como se sabe, Vesso, filho de dona Zefinha (proprietária do Bar), traz consigo um único defeito: é botafoguense roxo.

Em 1989, quando Maurício fez aquele gol irregular (empurrou Leonardo no lance) e o Botafogo venceu o campeonato carioca em cima do Flamengo, tive de suportar todo tipo de pilhéria e escutar as mais estapafúrdias e desmoralizantes piadas, vindas, principalmente, de Vesso. O homem, que no cotidiano apresenta-se com toda a calma e ponderações possíveis, transforma-se num verdadeiro alucinado em dia de vitória do seu time, que, para a sua e nossa felicidade, são esporádicas o suficiente para mantê-lo em pleno controle de suas faculdades mentais.

Pois bem. Como a vingança é um prato que se come frio, eis que em 1992 o Mengo vence o campeonato brasileiro (pela quinta vez!), em cima de quem? Do velho Botafogo. Após o empate de dois a dois na segunda partida (havíamos vencido a primeira por três a zero), fui até o Cocho babando a baba bovina dos vitoriosos, cheio de gana e fúria, pronto para barbarizar Vesso, afinal o ano de 1989 ainda não havia sido suficientemente digerido.

Chegando ao local, encontrei o pobre torcedor com aspecto maltrapilho, exalando o suor dos vencidos, cabisbaixo e melancólico. Parti para cima com gritos de “é campeão, é campeão!” e fui surpreendido por um choro incontido do meu amigo Vesso, que soluçava e tremia o corpo inteiro, balbuciando palavras desconexas. Constrangido, restou-me apenas a alternativa de consolá-lo. Para quem foi até ali com a intenção de ser um carrasco, transformei-me em psicólogo, afagando o sofrido botafoguense, enlevando seu coração com palavras de incentivo e aconselhando-o a se reabilitar, lembrando-lhe que futebol não é tudo na vida, que há outras formas de ser feliz e demais frivolidades que se costuma dizer na hora da morte.

Por dentro, meu coração batia forte no peito e confesso que uma pontinha de satisfação e regozijo invadia toda minh’alma, momento em que o soluço de Vesso soava como sinfonia para os meus ouvidos flamenguistas. Como se vê, não é de hoje que suporto o chororô dos alvinegros. 

 

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

*Dídimo Heleno Póvoa Aires  advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.  

       

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