Prenda os cavalos, Jack!

 

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

10/06/2010

                                                    

Eu peguei o finzinho do Cine Atanaram (de trás para frente é maranata), alardeado pelo Pe. Magalhães. Lá assisti a alguns filmes de Tarzan e de Tex Willer. Lembro-me de Osterno anunciando Jardim de Rosas com Rose in Garden (na verdade, ouvi dizer). Dianópolis viveu uma fase cultural inesquecível, dividida em duas: a primeira com o Atanaram, a outra com o Cine Santa Inês. 

Duas mulheres das quais as pessoas não falam ou nem se lembram mais – Inês e Santanta – foram responsáveis, num período de minha vida, por manter nossa geração antenada com o mundo. Depois do Cine Atanaram, com os seus faroestes inesquecíveis (basta dizer de O Dólar Furado - aquele do assovio) e depois de ter assistido às performances de Giuliano Gemma, eu me achava preparado para a vida. Que nada, com o Cine Santa Inês eu conheci Brooke Shields, em A Lagoa Azul. Todos os meus amigos e eu nos apaixonamos pela atriz e me lembro que uma freira do Colégio João d’ Abreu foi designada para assistir à película, qual uma censora, para “descobrir” alguma cena erótica não recomendada. Creio que ela também se apaixonou por Brooke, e nós fomos agraciados com mais uma semana de Lagoa.

No limiar do fim do Cine Atanaram eu e alguns amigos tínhamos à nossa disposição Enedino, filho de Napu (pessoa irretocável) que fazia às vezes de tradutor simultâneo. Como os filmes eram legendados, ele lia em voz alta, para nós, todo o texto. A frase escolhida para título desta crônica está na minha cabeça até hoje. O “artista” (protagonista) chegou num saloon, abriu com os pés a portinhola, virou-se para o seu capanga e disse: “Jack, prenda os cavalos Jack!”. Ené leu isso com toda a impostação e empolgação necessárias a um bom tradutor. Como a fala era do protagonista, a sua voz, nesses momentos, ficava rouca e grave.

Depois de tudo isso, os cinemas de Dianópolis findaram. Ficamos à mercê dos ciganos, que vinham, com suas tendas e tentações, aguçar os mais incautos dos seres. Ante nossa carência cinematográfica, Garganta Profunda, clássico pornô, foi anunciado aos quatro ventos em Dianópolis. Os casais mais recatados foram assisti-lo, afinal estávamos doidos por cinema. Imagine aquelas senhoras, donas de casa, com seus vestidos discretos (chamisiês), gestos de matrona, mulheres “de família”, casadas com senhores honrados, capazes até de pedirem desculpas por estarem excitados, ali, atentas, ante uma orgia de sexo oral inesquecível.  

Foi assim que o Cine Teatro Califórnia ingressou na minha vida. Santa, empregada de vovó Stela, no alto dos seus quase quarenta anos, era amante de Solonzinho, casado com uma mulher doente, cuja filha era Jane, no que aproveitávamos para chamá-lo de Xita, a macaca de Tarzan. Santa não podia ver Solonzinho, um homem magro, feio, mas que despertava nela os mais medievais sentimentos. Eles se atracavam em qualquer lugar, numa fúria louca de tesão e inconsequência. Certa vez, Joquinha descobriu o casal fazendo sexo debaixo do Mercedes de seu Djalma. Fizemos uma balbúrdia ensurdecedora diante daquele cio, mas os amantes continuaram até o clímax.

Estando Garganta Profunda em cartaz, Santa e Solonzinho não pensaram duas vezes: foram assistir. Os engravatados e excitados maridos da sociedade, sérios, vendo a protagonista devorar o pênis do coadjuvante, começaram a ouvir alguns gemidos alterados vindos lá dos bancos de traz; era Santa devorando profundamente Solonzinho. O filme foi interrompido, minha avó (que não estava na sessão), patroa de Santa, ficou constrangida, e o casal colocado para fora do cinema, sofrendo os clarões de uma lanterna na cara.

Vejam só: Santa, que de santa só tinha o nome, juntamente com Solonzinho, eram os menos equivocados do lugar. Eles faziam sexo loucamente, em qualquer ambiente, transgredindo a lei e os bons costumes, qual cachorros, mas em nome do amor. De outro lado, a cidade inteira, concentrada e incorruptível, assistindo Garganta Profunda como quem assiste ao O Poderoso Chefão.

Santa era que tava certa, fazendo sexo oral enquanto a sociedade se masturbava. Éramos tarados, hipócritas e cultos!  

 

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

*Dídimo Heleno Póvoa Aires  advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.  

       

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