Via crúcis
DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
22/08/2010
Até para a vítima de um assalto é importante que o assaltante seja competente, afinal de contas ele decide se ela vai, ou não, continuar viva. Imagine quando se trata de um profissional da medicina. Claro que de qualquer profissional espera-se zelo e dedicação, mas o médico lida com o bem maior, que é a vida.
Meu filho teve febre, tossiu a noite inteira e resolvemos levá-lo a um posto de atendimento de emergência privado. O médico atendeu-o rápido e diagnosticou uma infecção viral da garganta, mas nem remédio receitou. O diagnóstico mais comum nos dias de hoje é a tal “virose”, principalmente quando não se sabe do que se trata.
Dois dias após voltou a tosse e uma febre de quarenta graus. Por ser domingo, lá fomos nós novamente ao posto e, dessa vez, a médica que nos atendeu teve ao menos o cuidado de pedir um raio-X, constatando-se uma pneumonia avançada, recomendando a imediata internação. Começava aí nossa via crúcis. Meu filho ficou num apartamento confortável, TV e frigobar, cama agradável e decoração moderna, mas a pediatra que havia se comprometido a acompanhá-lo fez apenas visitas esporádicas.
Como o quadro era cada vez mais grave e a médica sequer atendia aos meus telefonemas desesperados, passados sete dias resolvi contratar um profissional decente. Indicaram-me uma pneumologista. Ela examinou o paciente por três vezes naquele dia, inclusive na madrugada, e, juntamente com uma pediatra, decidiu interná-lo na UTI. Nessa altura, notei a diferença entre profissionais de verdade, que amam sua profissão, e uma arrogante que ostenta um diploma, se veste de branco e pensa que é Deus.
A pneumologista a nós indicada é médica com M maiúsculo, cuidou do meu filho com dedicação, respeito, carinho e profissionalismo. Os profissionais que atenderam meu filho na UTI do HGP – Hospital Geral de Palmas, são todos gabaritados. Quando lá chegamos o médico que nos recepcionou ficou surpreso quando sugeri que os pacientes comuns, fora da UTI, poderiam dispor de ar condicionado. Disse que isso era “querer demais”, no que respondi que se trata de um direito de quem paga seus impostos, trabalha com honestidade e produz. Percebi que ele é dos que pensam que tudo que é do povo não deve ter qualidade.
Talvez por preconceito, muitos perguntam por que não levei meu filho para Goiânia ou Brasília. Ao consultar um amigo e primo, médico em Dianópolis (também no rol dos competentes), ouvi dele que não havia necessidade, já que dificilmente eu encontraria uma profissional como aquela em outro lugar. Foi a decisão mais acertada de minha vida. Meu filho foi acompanhado também por outros excelentes e diligentes profissionais, além de ter sido submetido a uma cirurgia torácica pelas mãos hábeis de um cirurgião, médico da melhor cepa, todos a serviço do Hospital Geral de Palmas.
Nenhum deles atende por plano de saúde. Como são bons, não falta quem pague por uma consulta em seus consultórios. Os tais planos repassam aos médicos quantia irrisória, ainda que recebam fortunas. Profissionais como os que atenderam meu filho no início da doença encontram aí um refúgio. Se encarassem o mercado para competir, seriam descartados.
A acuidade da pneumologista e da segunda pediatra livrou meu filho de ter morrido na cama do hospital, diante da TV de plasma e do frigobar recheado. Quando se paga um plano desses, o beneficiário espera ser tratado por um bom médico, nada mais. Dispensa-se a TV e o conforto em nome da competência.
No quesito saúde, somos tri-tributados. Pagamos impostos em troca de um serviço público de qualidade, mas nem sempre isso acontece, daí contratamos planos de saúde. Quando precisamos, descobrimos que grande parte dos médicos qualificados não atende por plano algum.
Um dos grandes problemas de hospitais como o HGP é o número reduzido de leitos, além de outras deficiências bastante conhecidas do sistema de saúde brasileiro. A minha experiência pessoal foi positiva, já que meu filho teve a sorte de ser amparado por uma equipe qualificada, mas muitos perecem nas mãos de incompetentes. Graças a essa equipe, meu garoto, após 33 dias de internação, continua correndo atrás de uma bola e pedalando sua bicicleta.
E-mail: dibeleno@yahoo.com.br
*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.
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