Dudu, a mãe dele e eu

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*                                                                                                        

22/08/2010

                                                    

 

Ontem, dia 18 de junho de 2010, Saramago morreu. Como ele, Neruda é outro que dizem ter sido genial. E parece que foi mesmo, afinal conseguiu colocar entre a primeira letra maiúscula e o ponto final um monte de ideias. Eu gosto mais de Saramago do que Neruda, por uma simples razão: li alguma coisa do primeiro e quase nada do segundo. E o que li daquele me agradou muito. Saramago tinha um pensamento político com o qual não concordo, mas foi um grande escritor.


Agora, estou aqui de frente ao computador, meia-noite e quatro. Kaká, meu filho caçula, dormindo e Dudu, o mais velho, no hospital, com sua mãe. Confesso que não estou para a poesia de Neruda nem para a prosa de Saramago. Mas gostaria de estar no lugar do meu filho, sentindo suas angústias e gemendo os seus gemidos.


Agora ele deve estar sentindo dor, e eu aqui escrevendo. As agulhas estão incomodando, teve de tomar sangue hoje, como um vampirinho. Suas mãozinhas estão inchadas, seu pulmãozinho cansado e eu aqui escrevendo cheio de saúde. Há vinte e sete dias ouço palavras que daqui para frente quero esquecer: bactérias, pneumatocele, pneumotórax, intercorrência, drenagem, sedação, anestesia e outras tantas, que estão mais para a poesia de Augusto dos Anjos do que para a do chileno Pablo Neruda.

Sinto-me um egoísta cheio de vida, esbanjando saúde, comedor de todos os manjares, sem apresentar qualquer problema maior do que uma pressão alta de vez em quando. Meu filho, de três anos, sem ter visto ainda a vida direito, sente dores terríveis, passou por uma cirurgia torácica, colocou três drenos, toma antibiótico há vários dias e está na iminência de passar por um novo procedimento cirúrgico. Tudo isso por conta de uma pneumonia mal diagnosticada. 

Por outro lado, ele é um homem mais experiente do que eu em muitos aspectos. Ele já sabe, desde cedo, que a vida não é nada fácil. Está lutando para conquistá-la a cada minuto e tem se apresentado como um novo Hércules, me deixando emocionado de orgulho. Sua mãe, que passa dia e noite ao seu lado, está me deixando acanhado com tanta força demonstrada por meio do carinho e amor dispensados, numa cotidiana luta de entrega incondicional. As mães são diferentes e é bom que nós, pais, não caiamos no equívoco de querer imitá-las. Somos muito menos fortes e nosso choro é para dentro, nossos olhos devem sempre estar límpidos, abrindo caminho para as lágrimas seguras da genitora.

Nós devemos sofrer no recôndito dos banheiros e no escuro de nossos quartos, quando ninguém vê. Devemos nos apresentar como os “fortes”, os que “seguram a onda”, quando, na verdade, são as mães, com suas lágrimas incontidas que nos dão muito mais lições. Elas berram de amor pelos filhos, enquanto nós “cuidamos da papelada”, de toda a burocracia que envolve qualquer doença, corremos atrás de autorizações de planos de saúde, buscamos o lanche e disfarçamos um sorriso de que está tudo bem.

As mães são mais honestas. Elas demonstram o seu sofrimento e, talvez por isso, conseguem ser mais resistentes. Hoje Dudu se submeteu ao seu enésimo raio-x, fez seu incontável hemograma, dorme com uma mangueira dentro do seu peito, teve febre e ainda encontrou forças para me pedir uma coxa de “crote-crote”, o nome que ele deu ao frango grelhado, olhando para mim com seus olhões grandes e negros, com um sorriso ingênuo de menino. Enquanto ele mastigava e sorria, sua mãe sorria por que ele sorria. Eu não vi meu rosto nesse momento, mas acho que eu chorava sem lágrimas, seguindo o mandamento ridículo que diz que todo pai deve ser forte “nessas horas difíceis”.

Forte é minha mulher; mais forte ainda é o meu filho. Eu, na impossibilidade de estar no lugar dele e na insatisfação de não ter sido agraciado com o dom da maternidade, escrevo enquanto meu filho caçula dorme... Lá no hospital meu primogênito reclama de dor e eu termino um parágrafo... Daqui a pouco ele vai tomar mais um tanto de vancomicina na veia, e eu escrevendo... Mais tarde, outra dose de meropenem, e eu fazendo prosa... Enquanto o dreno retira o líquido que aloja em seu pulmão, tento fazer       poesia...  Enquanto isso meu caçula dorme, feliz e forte depois de mais um dia de regozijo infantil. Meu mais velho sofre e eu escrevo... Eu escrevo e ele sofre... Até quando?

                                                                                                                 

E-mail: dibeleno@yahoo.com.br

*Dídimo Heleno Póvoa Aires  advogado, membro das Academias Palmense, Dianopolina e Tocantinense Maçônica de Letras.  

       

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