DEUS MORA EM PALMAS

 Dídimo Heleno Póvoa Aires

 3/12/2003

Para minha felicidade, o portão eletrônico lá de casa quebrou novamente. Era um domingo. Como sempre faço nessas ocasiões, liguei para o Sr. Bonilha. Eis aí a razão de minha felicidade. Trata-se de um senhor de mais ou menos setenta anos de idade, que mora com sua mulher de idade igual, aqui em Palmas, pertinho de mim.

Graças ao meu portão eletrônico, conheci o Sr. Bonilha. É uma pessoa interessantíssima, agradável, simples, humilde, inteligente e cheio de fé. Gosto muito de conversar com ele e torço para que o meu portão quebre, pois só o vejo nessas circunstâncias. Entre manuseio de chaves de fenda,  apertos e afrouxamentos de porcas e desenroscamentos de parafusos, o Sr. Bonilha fala em Deus. E a grande vantagem é que sua palestra não é como aquelas de pregadores chatos, que querem por que querem nos converter.

Espiritualista, seguidor da doutrina de Alan Kardec, sempre tem algo a ensinar. Eu que sou um católico relapso, embora crente em  Deus, não costumo freqüentar Igrejas, mas sou leitor voraz da Bíblia, principalmente do Antigo Testamento, que considero fascinante. E no domingo em questão, foi especialmente proveitosa a conversa que tive com o Sr. Bonilha. Fisicamente, ele parece com Deus, pelo menos na minha imaginação, pois, embora não tenha tido o privilégio de Vê-lo, outra não pode ser Sua aparência: velho, cabelos grisalhos penteados para trás, magro, sereno, óculos grandes e redondos maiores do que o rosto, uma bondade que pode ser vista a olho nu e nos chama de filho.

Tudo bem. Vá lá que o Sr. Bonilha não seja Deus. Mas é um dos filhos Dele que talvez melhor o representa. Conversando com ele, temos a nítida impressão do Divino. Sua conversa é fantástica, entremeada de planetas habitados por homens sábios e salvos, de passagens bíblicas com interpretações inéditas, além de conselhos preciosíssimos. Disse-me que muita gente, quando morre, vai para o planeta Júpiter. Não importa se o que ele diz faz ou não sentido. Afinal, qual Religião é capaz de dizer, com certeza, o que nos espera depois da morte? Vivem de conjecturas. O mais importante é que em raras pessoas consegue-se perceber tão nitidamente a grandeza do coração, assim de forma explícita. Trata-se de um homem raro.

Se o controle do meu portão dá  mal contato, é sinal de que preciso ouvir o Sr. Bonilha. Ele tem a pele enrugada, um olhar úmido e a voz firme. Quando eu ficar velho quero ser exatamente como ele, apenas com a pele um pouco menos enrugada, se for possível.

Nesse dia, busquei e levei o Sr. Bonilha no meu carro. Na volta, fui bem devagarzinho, ouvindo cada palavra e cada gesto seus. Paramos na porta de sua casa, ainda conversamos por um bom tempo e nos despedimos. Sua mulher, com um sorriso meigo nos lábios o recebeu na porta. “Vá com Deus, filho!”, foi a última frase que ouvi do Sr. Bonilha, naquele domingo.

Quando cheguei em casa, apertei o botão do controle do portão eletrônico na esperança de que não funcionasse. Infelizmente funcionou e eu não pude usar como pretexto para reencontrar Deus. Mas ele, o portão eletrônico, há de quebrar novamente. Caso isso não aconteça, no próximo domingo desligarei a chave do padrão e chamarei o Sr. Bonilha. Até ele descobrir que o problema é falta de energia, já foi tempo suficiente de ouvir os seus ensinamentos.

  *Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.

       

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