VEXAME EM ARACAJU

 

Dídimo Heleno Póvoa Aires

25/11/2003

 

 

 Um amigo do meu amigo Thales, lá de Aracaju, no Estado de Sergipe, arrumou uma namorada e estava entusiasmadíssimo com o seu novo romance. Prendada, a moça era “de família” e exigia do rapaz um comportamento que fosse conveniente com sua reputação.

 Depois de uma noite de farra, regada a muitas cervejas, bolinhos de bacalhau e caruru, o moço dormiu com a incumbência de no outro dia almoçar na casa da amada. Acordou numa  ressaca violenta, daquelas de ver estrelas, e se dirigiu rumo ao seu difícil compromisso.

A mesa, composta por um pai carrancudo, uma mãe sarcástica e dois adolescentes com cara de poucos amigos, foi a recepção que lhe ofereceram. Vatapás, mugunzás e todos os zás possíveis faziam o estômago do pobre moço embrulhar de náusea e enjôo. Em meio ao almoço o seu intestino começou a dar o ar da graça, com inoportunos movimentos peristálticos, que faziam-no expelir um suor frio que descia da costeleta rumo ao queixo.

 Uma imensa e incontrolável vontade de ir ao banheiro fazia com que sua barriga roncasse constrangedoramente, ante os esforços empreendidos para segurar a anunciada e aterrorizante diarréia que se aproximava.

 Naquela agonia, sequer conseguia se concentrar na conversa que travavam à mesa. Só pensava em banheiros, vasos sanitários, fossas e coisas do gênero. Depois de algum tempo, tornaram-se insuportáveis as dores intestinais. Era preciso encontrar um banheiro, urgentemente. Mas, o que fazer?

 Da sala de jantar, era possível avistar um lavabo que ficava próximo à porta de entrada da residência. Os olhos do mancebo se iluminaram. Seria ali o local de sua redenção. Suando frio, imaginava o plano: pediria licença a todos, andaria calmamente até o banheiro, descarregaria a inconveniente carga que trazia no recôndito de seu intestino e voltaria rapidamente, passando a impressão de que havia apenas “tirado água do joelho”.

 E assim fez. Apenas o andado não saiu tão calmo como gostaria. Suas nádegas comprimiam o ânus, na tentativa humilhante de segurar as fezes que insistiam em sair. Consequentemente, suas pernas roçavam uma na outra, deixando a cena hilária.

 Chegou ao distante lavabo e, antes de arriar as calças, descobriu que não havia uma gota d’água na descarga. Desesperado, abriu a torneira da pia e de lá saiu o tão esperado líquido. Decidiu que seria ali mesmo. Subiu na pia de louça e  aliviou-se num jato fétido e aquoso. De repente, um barulho ensurdecedor foi ouvido pela família da namorada: com o peso do rapaz, a pia havia desabado e se espatifado no chão, espalhando cocô por todas as paredes do banheiro. Pai, mãe e irmãos da namorada, além da própria, correram para saber o que estava acontecendo. Dentro do minúsculo recinto, o moço sentia tonturas e uma vontade louca de descer pelo ralo ou de, num passe de mágica, escafeder-se.

 Sem outra alternativa, ante a possibilidade do pessoal vê-lo naquelas condições humilhantes, começou a berrar de dentro do banheiro: - Saiam da frente da porta que eu estou louco! Saiam daí, senão eu mato! Tô avisando, eu tô louco e posso matar!

 Alguns segundos depois, a porta se abriu e de dentro do pequeno banheiro saiu o rapaz em disparada rumo às escadas do prédio, deixando atrás de si um rastro amarelo âmbar que denunciava a tragédia. Nunca mais foi visto no Estado de Sergipe. Quanto ao namoro, acabou-se ali, em meio àqueles pedaços sujos da louça da pia espalhados pelo chão.  

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires é Advogado e Escritor

 

       

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