URROS NA NOITE

 

Dídimo Heleno Póvoa Aires*

 

Houve um tempo em que, como ainda não existia televisão em Dianópolis, o pessoal costumava dormir cedo, após alguns dedos de prosa que se travava nas portas das casas, onde os vizinhos e amigos se reuniam.

 

Contou-me tia Ivone que ela e o marido, tio Gérson, ainda no início de seu bem consolidado casamento, protagonizaram um episódio hilário. Ao lado de sua casa, moravam o Dr. Sampaio (nome fictício, para preservar a identidade), e sua esposa, uma mulher de meia idade, aparentemente tímida e retraída.

 

Lá pelas tantas, tia Ivone foi surpreendida por alguns gritos que vinham da casa vizinha. Os urros continuaram de forma ininterrupta, até que a voz da senhora Sampaio foi reconhecida. Assustada, tia Ivone acordou tio Gérson, para dizer-lhe que a mulher devia estar passando muito mal, pois  a gemedeira não cessava. 

 

Levantaram e se dirigiram até a casa dos vizinhos. Batidas e mais batidas na porta fizeram com que os gritos diminuíssem. Depois de muito tempo, aparece o Dr. Sampaio, todo assustado, cabelo desgrenhado, voz trêmula e um fio de suor escorrendo pela testa.

 

Pois não? – Disse o homem, sem entender o que fazia ali, naquela hora da noite, o casal de vizinhos. Diante da embaraçosa cena, tia Ivone disse: - Sabe o que é, Dr. Sampaio, eu e o Gérson estávamos deitados, quando ouvimos alguns gritos e então pensamos que fossem da sua senhora e resolvemos vir até aqui, imaginando que vocês pudessem estar precisando de alguma coisa.

 

Nitidamente nervoso, o Dr. Sampaio disse que não se preocupassem, pois estava tudo bem. Incrédula, tia Ivone se dispôs a subir até o quarto do casal, para conferir de perto o estado da esposa do vizinho. Chegando lá, encontrou a pobre senhora com a respiração curta, numa mistura de êxtase e constrangimento, toda suada e descabelada, a coberta sobre o corpanzil e um olhar esbugalhado.

 

Ao lado da cama, tia Ivone avistou um monte de papel higiênico, que jazia inerte. Embaraçada, percebeu o vexame que acabara de cometer, pois o casal Sampaio havia sido interrompido no meio de um animalesco ato sexual. Naquele clima erótico, um odor característico de corpos suados exalava por todo o quarto, denunciando a recente orgia dos amantes. Segundo tia Ivone, sua vontade, naquele momento, era de sumir, desaparecer, exalar, escafeder-se de tanta vergonha.

 

Passados muitos dias, os vizinhos ainda não conseguiam se encarar. Com o tempo, a convivência voltou ao normal. Mas, para tia Ivone, era difícil imaginar que aquela senhora, tão recatada e aparentemente tímida, fosse capaz de se transformar numa mulher fogosa e escandalosa entre quatro paredes. Naquela altura dos acontecimentos, os gritos da senhora Sampaio começaram a fazer parte das noites, até então tranqüilas, da minha cidade.

 

Depois, descobriram que o casal mantinha o hábito de praticar sexo três vezes por semana, sem falta. No dia seguinte, a vizinha ninfomaníaca voltava a ser aquela mulher tímida e recatada e todos fingiam que nada havia acontecido, afinal sexo é sexo e nessa hora, em nome do prazer, qualquer um tem o direito de perder as estribeiras.  

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires é Advogado e Escritor

 

       

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