APOSENTADORIA E ÓCIO

 

Dídimo Heleno Póvoa Aires*

02/07/2003

 

A maioria dos brasileiros, depois de longos anos de árduo trabalho, sonha, merecidamente, com a aposentadoria. Infelizmente muitos descobrem que tudo não passa de ilusão. Ante o parco salário, poucas alternativas sobram. Dores lombares nunca antes detectadas, colunas extraviadas, músculos flácidos, problemas estomacais e afins,  são os sintomas da aposentadoria para o brasileiro médio. É o efeito do ócio. E os ossos alquebrados atrofiam com o passar do tempo, deixando a osteoporose tomar conta, diante do sedentarismo passado em frente à televisão.

Pelos exemplos que são colocados à mostra, percebo a necessidade urgente de se programar uma aposentadoria decente. No momento em que mais precisamos de amparo, de uma vida menos atribulada para gozar de todas as alegrias mundanas a que temos direito, assistimos desolados a triste possibilidade de morrermos à míngua. Os que escolhem os jogos de dama, dominó e baralho, esperam o final da vida embaixo de alguma árvore frondosa. Outros, menos afortunados, enveredam-se pelo caminho sem volta do álcool. Como se não bastasse tudo isso, o velho, aqui no Brasil, é tratado como produto descartável, que, depois de utilizado, joga-se fora, ou é, presidencialmente, chamado de vagabundo. Como é sofrida a vida dos aposentados e dos velhos num País que por eles não nutre qualquer respeito. Na China, ao contrário, os velhos são reverenciados. O final da vida, para eles, é o mais próspero, o mais esperado, o momento de ser reconhecido pelos mais jovens, que buscam na experiência os segredos da boa existência.

Aos que um dia provavelmente ficarão velhos, caso não cuidem agora de melhorar o futuro sombrio que se aproxima, restará a televisão com seus programas fúteis para aguardarem, com a boca escancarada cheia de dentes, a morte chegar, como já vaticinava Raul Seixas. Bem, é preciso reconhecer que poucos velhos no Brasil terão a boca cheia de dentes, no final da vida. Sem dinheiro para pagar odontólogo, as gengivas são os caninos da terceira idade.

Uma saída é recorrer aos planos privados, para garantir uma boa aposentadoria. É melhor abrir mão de uma vida mais arregalada agora, do que sofrer a solidão e o desprezo mais tarde. Com dinheiro, é possível levar uma vida mais tranqüila, menos dependente, como aqueles turistas suíços e alemães velhinhos, que gozam os últimos tempos desfrutando viagens pelo mundo afora.

Bom seria que todo cidadão abrisse uma poupança para, no futuro, perambular pelo mundo afora, conhecendo os lugares onde nunca esteve. E essas viagens têm a vantagem de não ficar tão caras assim, pois na idade avançada os gastos com bebida alcóolica e comida são menores, uma vez que dos excessos da juventude provavelmente o sujeito herdará alguma úlcera ou gastrite e, na melhor das hipóteses, pressão alta, o que poderá servir como contenção de despesa. Come-se pouco, bebe-se pouco, toma-se remédios controlados e se diverte a valer. Duro mesmo é passar pelos mesmos inevitáveis problemas dentro de casa, assistindo televisão. 

Outra alternativa para a velhice é ler muito. Ler todos aqueles livros que não tivemos tempo de deliciar quando jovens. No meu caso, dedicarei intensamente à literatura, até morrer bem no meio de um parágrafo, preferencialmente de ataque cardíaco fulminante. Ler é uma forma de exercitar o cérebro, retardando a caduquice. E, cá pra nós, como é bom conversar com um velho culto. A cultura disfarça a carência de bens materiais, até porque é também uma forma de riqueza. Quem é culto é sempre rico. Velhice, pobreza e ignorância são fatores que tornam o final da vida ainda mais desolador e depressivo. É o momento oportuno para se colocar em prática a teoria do italiano Domenico de Masi, para quem o “ócio criativo” é aquele em que se consegue utilizar o tempo dedicando-se a questões interessantes e enriquecedoras, que contribuem para o crescimento intelectual. A única forma de sermos pobres, velhos e um pouco menos desrespeitados, num país capitalista, é sendo culto.

Se a primeira alternativa (aquela de viajar pelo mundo) estiver fora de cogitação, recomendo a quem é jovem  que compre o máximo de livros que puder e deixe uma boa parte para ler depois de se aposentar. Tempo não faltará. E ainda há a vantagem de se livrar da péssima programação televisiva nacional, sem contar que poderá ser um velhinho um pouco mais informado, com ou sem dentes.

Mas existe um problema: no final do mês não nos sobra dinheiro para abrir uma poupança ou comprar livros, que são bastante caros. Mas resta uma saída: jogar xadrez, ao invés de damas, dominó ou baralho. Pelo menos é um jogo em que se exercita mais o cérebro. 

 

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires é Advogado e Escritor

 

       

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