A CULTURA DA VILEZA

                                     

Dídimo Heleno Póvoa Aires*

08/07/2003

 

 

Vivemos  numa época em que, para sobreviver, é preciso desconfiar, e desconfiar muito. São tantas as pilantragens, as bandidagens e as vilezas, que nos tornamos, gradualmente, pessoas ruins.

 

Uma senhora parada à beira da estrada, com uma criança nos braços, já não é razão suficiente para se oferecer uma carona. Estas cenas já não derretem mais os corações dos motoristas; afinal a senhora pode estar disfarçada e a criança pode ser um boneco. Na dúvida, melhor seguir viagem.

 

Hoje, costuma-se desconfiar até mesmo das pessoas muito bem educadas. Quem já viu um estelionatário casca-grossa? Todos são polidos, bem apessoados, bom papo e extremamente gentis.

 

Recomenda-se, para os que pretendem passar uma imagem confiável, adotar um estilo quase indiferente, semblante fechado, testa franzida, carrancudo. O ato de bondade não pode ser precedido de muita gentileza; deve ser de inopino, de supetão. Na pior das hipóteses, é preferível ser um honesto arrogante do que um picareta gentil.

 

Talvez quem mais sofra com essa desconfiança generalizada sejam os políticos e advogados. Para agravar ainda mais a situação, a maioria dos políticos de expressão nacional é bacharel em Direito. Claro que se trata de uma injustiça. Há muitos advogados bons e honestos, assim como políticos. 

 

Outro dia, foi preciso muito esforço da minha parte para convencer uma senhora a assinar uma nota promissória, pois ela, como muitos, não estava disposta a confiar num advogado. O interessante é que se tratava de um favor, que não lhe acarretaria ônus algum. No final, depois de muita explicação jurídica, a senhora assinou, um pouco constrangida pela atitude que havia tomado. Às vezes, para ser bom é preciso ser ruim. Este será o paradoxo do  milênio (pelo menos aqui no Brasil).

 

Mas eu não culpo os que agem assim. Tudo isto são conseqüências de um País que traz arraigado em sua cultura a famigerada “Lei do Gérson”, onde ser desonesto é, na verdade, ser “esperto”. Para os adeptos desta “Lei”, o lema é mais ou menos assim: “vender um carro prestes a fundir o motor, enganando o comprador, é mérito do vendedor”. Os valores estão invertidos, a sociedade está apodrecendo, o bom caráter morreu!

 

Instituiu-se, no Brasil, a cultura da pilantragem e a impunidade é a causa. Como acreditar num País onde políticos corruptos não são punidos, empresários caloteiros são protegidos e bancos falidos são ajudados financeiramente? Como acreditar num País que acredita em Antônio Carlos Magalhães? Como acreditar num País que não investe em educação?

 

Ao povo, a principal vítima deste sistema falido, resta apenas duvidar e desconfiar, se quiser sobreviver. É claro que o povo a que me refiro é aquele honesto, que não dá carona, que é carrancudo, casca-grossa e que deixa de ser solidário por necessidade e não por convicção.

 

A outra parcela do povo – a  “esperta”, gentil, polida, estelionatária – é a culpada por termos os dirigentes  que temos e por toda essa inversão de valores que somos obrigados a digerir. Como ensinou Dostoieviski, o escritor russo, “o único meio de evitar os erros é adquirindo experiência; mas a única maneira de adquirir experiência é cometendo erros”.

 

Erros, ao povo é permitido cometer, desde que seja para melhorar, para adquirir experiência. O que não se admite é a vileza das atitudes, a degradação moral, o dolo, a vontade de transgredir a lei. O grande problema do povo brasileiro é a referência, o exemplo. Estamos acostumados a olhar para os nossos governantes com os olhos do filho que possui um pai bandido. Como se sabe, a tendência do filho em imitar o pai é inevitável. Se falta bom caráter a este, é quase certo que, àquele, também faltará!

 

 

 

Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor

       

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