DINHEIRO TRAZ FELICIDADE?

 

 Dídimo Heleno Póvoa Aires*  

10/09/2003

Se ele, o dinheiro, não existisse, talvez as coisas fossem mais fáceis, ou menos difíceis. A desigualdade, embora seja inevitável, seria amenizada. Se todos fossem pobres, mesmo assim haveria quem vivesse numa pobreza ainda maior. Se ricos, sempre existiria alguém mais rico. Seria possível um mundo onde não existisse dinheiro? 

 

Para começar, o que hoje conhecemos por “riqueza” perderia o sentido. Esse negócio de muitos terem pouco e poucos terem muito gera conflitos sociais, alimenta ódios e disputas intermináveis. De outro lado, não se poderia desfrutar dos luxos, do consumo desenfreado e das delícias que somente o dinheiro é capaz de proporcionar. “Dinheiro não traz felicidade” é uma frase sempre repetida e uma das mais fajutas que conheço. Geralmente, essas frases são utilizadas pela maioria do povo brasileiro que, como eu, arranja qualquer desculpa esfarrapada para justificar a impossibilidade de consumir certos bens materiais, como carros de luxo, bebidas caras, roupas de grife e freqüentar os mais caros restaurantes.

 

Juntamente com a frase acima citada, sempre há a emenda: “a saúde é a maior riqueza”. Outra balela. Pobre saudável é difícil de se encontrar. Primeiro porque o sujeito alimenta-se mal, não freqüenta consultórios médicos com assiduidade e, além do mais, carrega na boca cáries profundas, o que facilita o desenvolvimento de doenças. A verdade é que, hoje em dia, não se valoriza os dons morais, éticos e humanos das pessoas. Se tem dinheiro, qualquer um é bem aceito em nossa sociedade. Muitas vezes trata-se de pessoa vil, desprezível no que diz respeito aos mais comezinhos critérios morais e é tratado como se fosse o melhor dos homens, simplesmente por que possui uma farta conta bancária.

 

Dinheiro atrai mulheres bonitas, amigos interesseiros e todo tipo de “mercadoria” que se possa imaginar. Hoje, até o amor e a amizade são bens consumíveis, compráveis em qualquer esquina. E não há, no mundo capitalista em que vivemos, alguém que não goste de dinheiro. Primeiro porque para se adquirir qualquer coisa é preciso comprar. Nada é de graça, nem a propalada injeção na testa. É claro que uns desenvolvem um apego, digamos, excessivo, pela moeda. Mas não há nada que se faça sem antes pagar. Em nossa sociedade, as pessoas são diferenciadas e respeitadas na medida em que possuem, ou não, dinheiro.

 

Em meio a toda essa carnificina, o pobre sofre que nem Jó. Em muitos hospitais, o sujeito chega todo arrebentado e a funcionária preocupa-se apenas em verificar se o infeliz possui plano de saúde ou se pode garantir, antecipadamente, um cheque-caução, certificando-se de que o miserável vai pagar a conta. É muita humilhação. É claro que existem os hospitais públicos, com atendimento gratuito. Mas o povão sabe que o serviço é demorado devido ao número de pacientes, e muitos morrem pelos corredores, abandonados. Aí, resta apenas aos mais afortunados vender o carro modelo 80 para pagar as diárias da internação.

 

Pobre sofre: eis a constatação mais óbvia. O capitalismo é justificado como o sistema que dá oportunidade para todos. Todos somos capazes de ganhar dinheiro. Acontece que aqui, diferentemente de outros países capitalistas de primeiro mundo, o cidadão muitas vezes não estuda, não sabe ler ou escrever, passa fome, é ignorante, bate na mulher, espanca os filhos, toma cachaça para esquecer e não tem direito à psicólogo. Morre à míngua e excluído socialmente. Para essas pessoas, a maior felicidade seria não existir dinheiro. Mas o fato é que ele existe e, de certa forma, ajuda na ascensão de muitas pessoas. O dinheiro gera inveja e a inveja faz com que o sujeito lute bravamente para comprar um carro igual ao do vizinho, para colocar o filho no mesmo colégio dos filhos do vizinho e para comprar um vestido novo para a mulher, tão caro quanto o da vizinha. É por isso que muita gente não tem o que comer, mas se veste bem, anda de carro bom e sustenta os filhos como se fossem ricos. São impulsionados pela ganância e irracionalidade que o dinheiro desperta.

 

No final, adquirem dívidas impagáveis e passam o resto dos dias atolados nos juros do cheque especial e sustentando a sanha de agiotas. Morrem jovens, ou com úlceras gástricas terríveis ou com câncer, desenvolvido pela falta de dinheiro. Seria muito bom  se ele não existisse. Mas o fato é que a felicidade de hoje está diretamente ligada à quantidade de dinheiro que se possui. E o pior de tudo é que nem sempre o trabalho é a melhor forma de se ficar rico. Pelos exemplos nacionais, riqueza e desonestidade quase sempre caminham juntas. Uma propina bem paga é capaz de resolver a vida de qualquer um.

 

Do jeito que andam as coisas fica até difícil se exigir que o pobre seja honesto, pois todos os dias vemos resignados o banditismo tomar conta do País, com traficantes comprando o apoio de policiais, políticos recebendo pagamentos em troca de favores e a corrupção deslavada em todas as esferas de governo. E esses ricos, que todos sabem ser desonestos, freqüentam os melhores lugares e são aplaudidos como homens de bem. E o pobre sofre. Na primeira vez que tiver oportunidade de ser desonesto, não pensará duas vezes: agarra com unhas e dentes a propina que aparecer pela frente e vai ser feliz. E ainda justifica: se todo mundo pode, porque eu não posso?  E roubar é como sexo: quanto mais se pratica, mais se toma gosto. É preciso resgatar a moral e a ética neste Brasil vergonhoso, que está perdendo a noção do certo e do errado. O dinheiro que traz felicidade é aquele conseguido de forma honesta. Caso contrário, é melhor ser pobre e esperar a morte, porque depois dela não existe grana.

 

*Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado e escritor.

 

 

       

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