A fuga
Gesimário de França Carvalho*
Rosa,
saí às pressas
e deixei gavetas entreabertas,
o vinho na taça,
meu olhar espantado no espelho,
e um sono mal desperto
amarrotado no lençol.
Deixei sua lembrança
girando a maçaneta da porta.
Saí às pressas, Rosa,
e deixei a saudade pela metade.
Para os mortos chorados
e os esquecidos da favela
de Vigário Geral
Quem os guardará do medo agora...?
Ou valerá pelo sonho dos seus filhos?
Essas faces sombrias, meu senhor,
que desce de capuz sobre o silêncio mortal
das noites desprotegidas,
povoam de morte o sono apavorado
dos homens.
Viver é uma armadilha que espreita
a porta descerrada,
unge de sangue o coração
que pulsa e agoniza.
Pois quem soube a brisa e não sabe
o sopro sulfuroso do inferno,
não saberá jamais a dor cortante
da terra que o sepulta.
Viver (e você saberia...!) é essa agonia
da última hora dividida entre os desvalidos
e servida fria aos que permanecem.
Encarecemos, Deus, um mínimo atender:
ofereça a seus filhos soltos entre as feras
a mão, não vingadora, mas piedosa,
que desarme as mãos que portam o terror.
*Poeta e Professor