ESSE TAL DE CHIP ENTRÃO E OUSADO!

 

ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO*

 

10/06/2010/2010

 

 

                   Amanhã olharei para minhas mãos e verei que sob a epiderme dessa, além de veias sobressalentes, músculos e nervos, lá também estará o chip, para que um sistema GPS me localize, no caso de seqüestro, fuga da justiça, morte inesclarecida. Assim será o futuro.

                   O chip chegou cheio de disfarces modernos, com códigos que burlam a minha e sua liberdade. O chip estará sob o chuveiro, no troninho do banheiro e no ponto G do orgasmo.

                   Agora, certamente, os lingüistas e legisladoras terão que excluir alguns vocábulos e condutas ilícitas de dicionários e códigos. Não haverá mais escondido. Não haverá não permitido, não autorizado. E as condutas, antes ilícitas, onde pesava a fala da vítima feminina, serão desmistificadas.

                   A mocinha e mocinho mais irriquietos e avançados, porventura dirão que o chip é brega, porque retirou a graça e a sensação do escondido e do proibido.

                   Agora acabou a surpresa, o inesperado! Não há mais pequenas ou grandes mentiras. Não há peraltices como enfiar o delo na cobertura da torta, ou invadir a geladeira à meia-noite para fazer a festa.              

                   Também não há mais esse negócio de, forma oculta, pegar as chaves do veículo para dar um rolé e, após, algumas cervejas, adentrar o lar, na ponta dos pés, com a sutileza de elefante em loja de cristais. O chip não tolera mais estas peraltices.

                   O chip é bobo. Não é romântico. Por isso não adiante mais deixar recadinhos anônimos no caderno da colega ao lado, nem tampou colocar o chiclete na cadeira do professor chato. Os chips delatarão tudo!

                   O chip não permitirá que bandeirinhas bobas furtem gols do Botafogo e juízes larápios sigam o mesmo caminho. Agora, as bolas terão chips. 

                   O chip exterminará o clube da luluzinha e do bolinha. Ou seja, não haverá mais esse negócio de meninas de cá e meninos de lá. Assim, os segredinhos acabarão, e as meninas não necessitam mais ir ao banheiro em grupos para apimentar a fofoca. O chip acabou com o suspense no ar, com a curiosidade.  

                   O chip legalizou e banalizou a invasão de privacidade, e agora a Constituição Federal e o Código Civil terão que repensar acerca dos Direitos Personalíssimos. Aliás, o que é mesmo intimidade? Vida privada? honra e Imagem? 

                   Assim como o sigilo das comunicações telefônicas, os direitos personalíssimos ficarão apenas no papel. Por isso, o chip bem que deveria ser menos sarcástico, evitando tantas piadas com as nossas intimidades. Agora, por exemplo, ninguém pode jogar a culpa do “pum” no cão mais próximo, pois que o chip irá desmentir.                  

                   O chip só ficou sem graça em relação aos espíritos e papai do céu, que tudo já viam e sabiam. Entristeceu ainda mais ao cientificar que não pode ler os nossos pensamentos e idéias, exclusividade Daqueles. Eis aí o último dos recônditos personalíssimos da intimidade.            

                   Ainda bem que não estou “chipado”. Sei não! Será que o celular não exerce esse papel, de forma extroversa? E por que então o chamam de coleira eletrônica?

 

                                 

*Advogado e Professor universitário. Especialista em Processo Civil e

Mestrando em Direito Civil

       

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