ELEIÇÃO
TEMPORONA
Liberato
Póvoa
Hoje
está sendo realizada a eleição temporona em São Sebastião do Tocantins,
para escolher um novo Prefeito, já que o eleito teve anulada sua escolha porque
ele chegou às urnas apatrochado por dois partidos, e a lei só permite um.
Desde
meus tempos de menino, só me recordo de uma vez, em que houve uma chamada
eleição suplementar, nos anos sessenta, e conto o causo mais adiante, pois
é preciso traçar um desenho do que eram as eleições daquele tempo, em que
nem rádio havia direito, quanto mais a urna eletrônica de hoje.
Na
época das eleições a cidade fervilhava de gente do mato, muitos analfabetos
e poucos eleitores (pois analfabeto não votava ainda), entupindo a casa dos
cabos eleitorais e chefes políticos, que naquele tempo não havia a "Lei
Etelvino Lins" para impedir a compra de votos através da muda de roupa
nova e da pança cheia. No dia 3
de outubro, o matuto se extasiava, sentindo-se o rei do acontecimento: a
corrida atrás de voto era incansável, e a vitória, apertada, pois o
eleitorado era escasso. Nas
imediações das seções eleitorais, moças bonitas e cheirosas de ambas as
partes, procuravam cativar os barirus com promessas de presentes e de dançar
com eles no baile da vitória, em troca do precioso voto.
E havia tabaréus, que nada tinham de bestas, tirando proveito de tudo:
- O xente, moço, cê lavô a égua!
- Uai, e pro mode quê?
- Rôpa nova, precata nova... Adonde ranjô?
-
O pessoal de Dito Póvoa qui me deu nas inleição.
-
E cê votô nele mesmo'
-
Uai, eu nem num voto!... Sei lá assiná meu nome?
Enquanto
o PSD formava seus currais eleitorais, a UDN tinha seus eleitores de cabresto,
e isto se transformava no fiel da balança que decidia o pleito.
As
filhas de Augusto Rodrigues – Diran, Nem, Quiniana, Dasse, Lélia - eram
terríveis, movimentando os comícios, de um lado. Do outro, as de Totó Aires
- Dolores, Todinha, Iracema, Leda - não ficavam para trás, agarrando com
unhas e dentes os preciosos votos para o partido apoiado aquele ano.
Por
tradição, os Póvoas sempre foram udenistas. e os Costa, nossos parentes
perto - e no arrebentar das cordas uma só família -, eram pessedistas.
Os Rodrigues, assim, gozavam da cômoda situação de ser assediados
de todas as formas pelos chefes políticos de ambos os partidos, à cata do
precioso apoio. E apesar da
movimentação eleiçoeira e dos bate-bocas nos comícios, as diferenças eram
esquecidas logo após as apurações, quando uns chegavam a gozar com a cara
dos outros alegando que haviam tomado tantos eleitores.
A briga ficava para o pleito seguinte.
Agora
vem a história da eleição suplementar a que me referi.
Em
1960 o pleito foi acirrado: pela UDN, o candidato era tio Dito; pelo PSD, tio
Joca; ambos, ex-prefeitos; ambos, de prestígio e cunhados entre si: Tio Joca
era casado com tia Culininha, irmã de tio Dito.
Vencer a eleição seria uma espécie de tira-teima, e apesar de todos
os esforços, tio Dito venceu com apertadíssima margem.
Mas, para espanto geral, o PSD denunciou uma suposta fraude na Seção
Eleitoral de Taipas, onde os Azevedo eram pessedistas.
Um recurso com sabor de satisfação moral perante o governo estadual,
que era pessedista (Juca Ludovico, sobre quem o histórico recurso de Galeno
Paranhos surtira efeito retardado e inócuo).
Assim, pouca esperança era de ter sucesso num recurso de um
distritozinho socado cá no sertão e sem influência política nenhuma.
Não
se sabe por que cargas d'água (talvez a influência do governo pessedista), o
TRE de Goiás acordou, julgou o recurso com uma rapidez nunca vista e declarou
nulos os votos da Seção de Taipas, marcando eleições suplementares somente
para aquela urna. Para o pequeno
arraial dirigiu-se todo o poder econômico dos partidos e do governo, que
arranjou até tropas do Exército, mas o resultado foi a confirmação do
resultado anterior.
Antes,
porém, da decisão do tribunal, houve inquérito para apurar a denúncia da
dita fraude que dera origem ao recurso. Ambos os partidos apressaram-se em
arrolar testemunhas, nem sempre esclarecidas. O fórum estourava de gente, e o
Dr. Magalhães, juiz de Direito,
dirigia os trabalhos, ouvindo e apurando tudo, mas, apesar de sua sisudez, nem
sempre conseguia conter o riso dos matutos depoentes, que, entre tímidos e
apavorados, prestavam depoimento, preocupados em dizer o que lhes havia sido
mandado dizer pelo chefe político, geralmente ali presente conferindo a fala.
Uma das testemunhas, por nome Joaquim Velho, da Terra Vermelha, em dado
momento, foi interrogada pelo sisudo Dr.
Magalhães.
-
O senhor confirma que viu gente da UDN colocar votos a mais na urna de Taipas?
-
É verdade, inhô sim!
O
juiz, olhando por riba dos óculos, encarou o pobre Joaquim Velho, já literalmente
acossado pelo povaréu que entupia o fórum, fechou a cara e voltou à carga:
-
O senhor sabe que mentir na Justiça dá cadeia. O senhor VIU mesmo?
O
velho roceiro assuntou o ambiente, cofiou a barba e respondeu, quebrando
aquele silêncio de claustro:
-
Quê dizê, "Seo" dotô juiz, qui vê... VÊ mesmo eu num vi não...
O
juiz cerrou o cenho e estranhou:
-
Mas o senhor não disse há pouco que gente da UDN tinha colocado vot mais na
urna?
O
depoente coçou a cabeça, olhou nas rodeanças caçando prumo e desembuchou:
-
É verdade qui falei, e isso eu num nego!
Mas meu cumpadre ali - e apontou um chefe político, que procurou
esconder-se no meio do povão - falô qu'eu dissesse assim, de formas qui o
sinhô tem de assentá aí no papel é qu'eu vi mesmo, sinão eu fico mal cum
meu cumpadre...
O
fórum quase veio abaixo, de tanta gargalha