A HISTÓRIA DE VICENTE

Liberato Póvoa *

Acho que Vicente é dali mesmo, do sertão.  Humilde, sempre de cara alegre, pedindo a bênção pros mais velhos e chamando-os de “meu tio” e “minha tia” e escondendo sua pobreza na cachaça que lhe tingia de vermelho o rosto empapuçado.

Não sei por que razão o Vicente só me chama de Tõe.  Talvez porque se tenha afeiçoado a Tonho, meu irmão cinco anos mais velho, que segundo eu soube, andava pra cima e pra baixo na cacunda de Vicente.

Sempre de chapéu de palha meio quebrado de lado, corpo franzino, pele pretejada mais pelo sol do que por natureza, Vicente vive ainda hoje pelo sertão do Duro, morando – se não me falha a memória – no arraial de Taipas.

Tem outros irmãos: lnácio, Arlindo e Belô, uma geração que veio do velho João Roxo, todos chegados a uma pinguinha, todos esbrugados no cabo da ferra­menta na labutança de fazer serviço alheio.  Como Vicente, os irmãos, parecidíssi­mos, debulham-se em gentilezas e subserviência, atrás do agradar a todos, que os têm na conta de gente boa, apesar da pinga e não obstante a pobreza, que, afinal, não é defeito nenhum.

Quando via Vicente caminhando nas ruas do Duro, sua atenção com a gente, lia-lhe nos olhos uma tristeza imensa, que se deixava notar na fala mansa, nos gestos largos, na incerteza de encontrar um lugar para aboletar-se na rua até descer a serra no dia seguinte para voltar a Taipas.

A falta do braço direito, do qual restou apenas um toquinho escondido na manga curta da camisa, deve de ser uma das razões da tristeza de Vicente.  Com, o braço esquerdo, para muitos inútil e desajeitado, Vicente pica fumo, enrola cigarro, capina roça, racha lenha e dele faz seu ganhame de vida.

Normalmente, a fala pastosa e molenga das pessoas cachaceiras causam asco a todo mundo.  Mas não conheci ninguém que tratasse mal a Vicente por esse motivo, talvez por vê-lo falto de um braço, inspirando pena, pois, forante a irmandade, ele não tem ninguém no mundo: não se casou, não amigou pelo menos para ter nos filhos uma escora na velhice.  E com o tempo conspirando contra ele a cada dia, a velhice vai tomando feições de pesadelo para uma pessoa que não tem um taquinho de chão para brocar uma rocinha, vivendo de plantar em terra dos outros.

Desde menino, já conheço Vicente com um braço só, e algumas pessoas apelidando-o de Vicente Bracinho, não por escárnio, mas para diferenciá-lo de outros Vicentes, que o nome não é lá rotulado de raridade.

Como criança não tem noção de quando está ou não ferindo suscetibilidadas, fiz certa época uma pergunta, que para um adulto poderia parecer embaraçosa:

Por que você só tem um braço, Vicente?

Ele deu um suspiro, folguejou fundo e, compreendendo minha curiosidade, começou:

 -   É, Tõe... é a vida...

E contou. Trabalhador que nunca recusara serviço, estava labutando nos quefazeres da moagem da Baixa Grande, ora torando cana, ora espumando garapa nos tachos de cobre, ora enformando rapadura nas bancadas.  Fazia de tudo (que disposição não lhe faltava), desde o tanger as juntas de bois ao derredor do engenho até socar a cana nas moendas para desmanchar em garapa.

E nesse último serviço estava ele, entretido em empurrar a cana nas moendas gritantes, en­quanto o lamento do engenho furava a madrugada misturando-se com o alarido do tangedor de bois e o fuá dos fazedores de melado e rapadura.

Escutou-se o grito de Vicente, mas ninguém deu ligança, que a gritaria e a zo­ada abafavam tudo.  Quando assuntaram que a garapa que escorria no cocho estava pisada de sangue é que deram fé: pararam os bois e foram socorrer Vicente, cujo braço direito estava esmagado até três dedos do ombro, e ele ficara dependurado pelo trapo de braço entre as pesadas moendas de jatobá.

Anos atrás, quando aqui estive, vi Vicente medindo as ruas com seus passinhos de fogo-apagou e calça arregaçada até a canela, caminhando avexado, como é do seu feitio.  Lembrei-me do caso do engenho e arrepiei-me todo.  Dei-lhe o cigarro e conversamos, um bate-papo mais meu do que dele, pois se limitava a dizer “a pois, num é?”, “acredito” e “sim, sinhô”, afastou-se com a caminhar miúdo para dobrar a primeira esquina, com sua tristeza imensa e seu jeito de mártir vivo.

Há um tempão, vi Vicente nas Taipas.  Tinha parado de beber há tempos, e mais recente­mente, na certeza de que teria um papo gostoso no nosso próximo reencontro, soube que ele ainda estava lá pelas Taipas, com seu jeitinho de sempre, pedindo a bênção pros mais velhos e fazendo seus servicinhos que o braço único permite, para ganhar a vida.


  Filiação: Francisco Liberato Póvoa e Regina Costa Ribeiro Póvoa.

·  Data e Local de Nascimento: 12/04/44, em Dia­nópolis-TO

·  Endereço de Trabalho: Tribunal de Justiça do Estado do Tocan­tins – Praça dos Girassóis, s/nº - Fone (063)218-4463 – Caixa Postal nº 73 – CEP 77.054-970 – Palmas-TO

·  Cônjuge: Simone Cardoso da Silva Canedo Póvoa (02/02/77).  

 

FORMAÇÃO ACADÊMICA

 

·  Curso Primário – Ginásio João d´Abreu, em Dianópolis-TO.

·  Segundo Grau – Centro de Ensino Médio Elefante Branco, em Brasí­lia, e Colé­gio Estadual de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

·  Bacharel em Direito pela Fa­culdade de Di­reito da Uni­versi­dade de Minas Ge­rais (1982).  

FUNÇÕES ATUAIS

 

·  Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins 

·  Presidente das Comissões Permanentes de Seleção e Treinamento, de Jurispru­dência e Do­cumentação e de Sistematização do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (1999/2000 e 2001/2003)

·  Professor de Direito Inter­naci­onal na Fundação Uni­versidade do To­cantins (UNI­TINS)

·  Membro fundador da Academia de Letras Jurídicas do Estado do To­can­tins

·  Membro fundador da Aca­demia Tocantinense de Letras

·  Membro correspondente da Sociedad Pe­ruana de Crimi­nología y Ci­en­cia Peni­ten­cia­ria, tí­tulo recebido da Universidade de Are­quipa, no Peru

·  Membro Honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

·  Deputado Federal  e De­putado Constituinte junto à Soberana As­sem­bléia Fe­deral Legislativa do Grande Oriente do Brasil

·   Pós-Graduado Lato Sensu em Di­reito Civil e Processo Civil pela Facul­dade Anhangüera de Ciências Humanas, de Goiânia (360 horas/aula)

·  Cursando Pós-Gradyuação Latu Sensu em Direito Tributário no Instituto Goiano de Direito Tributário (três semestres)

·  Cursando Doutorado em Direito Público pela Univer­sidade de Extremadura, da Espanha, em Convênio com o Centro Internacional de Pós-Graduação da UNORP (São José do Rio Preto-SP)

·  Diretor-Geral da Escola Superior da Magistratura do Estado do Tocantins.

 

 

PRINCIPAIS ATIVIDADES EXERCIDAS

 

 

·  Chefe de Seção, Dire­tor de Divisão e Chefe de Gabinete da Secreta­ria de Apoio Admi­nis­tra­tivo do Mi­nistério da Educação e Cultura, em Bra­sí­lia (1972 a 1981)

·  Chefe de Seção, Co­ordenador de Planejamento e Administração na Escola Téc­nica Federal de Mi­nas Gerais e no Centro Fe­deral de Edu­cação Tecnológica de Mi­nas Ge­rais, em Belo Ho­rizonte

·  Membro da Equipe Técnica de Alto Nível da Es­cola Técnica Federal de Minas Ge­rais

·  Diretor do Instituto de Menores de Dianó­polis-TO, órgão da FE­BEM-GO

·  Juiz de Direito no Estado de Goiás (nomeado em 13/01/88), na Co­marca de Ta­guatinga-TO

·  Juiz Eleitoral na Comarca de Tagua­tinga-TO

·  Desem­bargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (no­meado em 1º/01/89, com menos de um ano de magistratura)

·  Vice-Presi­dente do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (por duas vezes)

·  Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (de 25/11/1989 a 31/01/91, com­pletando mandato), quando teve a incum­bência de organizar o Judiciário, cri­ando, instalando e pro­vendo Co­marcas e realizando o primeiro con­curso para a magis­tratura do Es­tado

·  Governador do Estado do Tocantins (como Presidente do Tribunal, em agosto de 1991) - Vice-Presidente/Corregedor do Tri­bunal Regi­onal Eleitoral do Es­tado do To­can­tins (1995) 

·  Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins (1995 e para o biênio 2001/2003) - Presidente da Comissão de Sele­ção e Treinamento do Tri­bunal de Jus­tiça do Es­tado do To­cantins (1996/1997)

·  Corregedor Geral de Jus­tiça do Tribunal de Justiça do Estado do To­cantins (de 11/02/98 a 31/01/99, completando mandato)

·  Diretor da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) para a Região Norte

·  Idealizador da Escola Superior da Magistratura do Es­tado do To­cantins, sendo co-autor do Projeto de sua criação.

 

 

OBRAS PUBLICADAS

 

 

a) OBRAS DE CUNHO JURÍDICO

 

PUBLICADAS:

·  Prá­tica, Procedimento e Di­nâmica do Ju­ízo Cível (Livraria Três Po­de­res – Goiâ­nia);

·  Ementário dos Primei­ros Julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (Livraria Três Poderes – Goiânia);

·  Procedi­mento no Juízo Cível (Livraria Del Rey - Belo Ho­ri­zonte), em 8ª edi­ção;

·  Procedimento no Juízo Crimi­nal (Juruá Editora, Curitiba), em 3ª edição;

·  Busca e Apreensão - Teoria, Prática e Jurispru­dência (Edi­tora Atlas - São Paulo), em 3ª edição;

·  Prisão Tem­porária, em co-autoria com o de­sembargador tocanti­nense Marco Vi­llas Boas (Juruá Editora - Cu­ri­tiba), em 3ª edição

·  Lei Orgânica do Poder Judici­á­rio do Es­tado do Tocantins (Comen­tada e Compa­rada), em co-autoria com o desembargador to­canti­nense Marco Villas Boas (Livraria Pau­lista Ltda)

·  Teoria e Prá­tica dos Juiza­dos Espe­ciais Crimi­nais, em co-au­toria com o de­sembar­gador José Maria de Melo, do Tri­bu­nal de Justiça do Ceará (Juruá Edi­tora - Curitiba), em 3ª edi­ção

·  Vade-Mécum Básico da Le­gislação Tocantinense (Editora Tocantins Ltda)

·  Vade-Mécum Básico da Legisla­ção do Estado de Goiás (Edi­tora To­cantins Ltda)

·  Constituição do Estado de Goiás Anotada (Editora Kelps, Goiânia)

 

EM PREPARO:

Representação Eleito­ral (em parceria com o advogado Helio Miranda)

A Justificação em ma­téria penal. 

 

b) OBRAS DE CUNHO LITERÁRIO:

 

PUBLICADAS:

·  Rua do Grito, 162 (con­tos)

·  Pássaro de Asa Quebrada (novela in­fanto-juvenil)

·  Cau­sos que o Tocanti­nense Conta (crônicas)

·  De Zé Goela a Pé-de-Janta - Os Cau­sos que o Duro Conta (crônicas)

·  Senhor do Tempo (novela infanto-juvenil)

·  João de Deus, o Fe­nômeno de Aba­diânia (biográfico)

·  Dicioná­rio Tocantinense de Termos e Ex­pressões Afins (fi­lologia)

·  Man­dinga (romance)

·  Besta-fera e Outros Contos (contos)

·  História Didática do Tocantins (História);

·  Conversa de Compadres (crônicas)

·  Um Causo Puxa Outro (crônicas)

·  De gente, de bichos, meizinhas e abusões (crônicas) 

·  Furto do Menino-Deus (contos).

 

 

OUTROS DADOS

 ·  Possui, ainda, várias obras inéditas, nos gêneros crônica, conto, fol­clore e ou­tros

·  Venceu todos os concur­sos literários de que participou desde a época de estu­dante, in­clu­sive a nível nacional

·  Jornalista e crítico literário, com mais de 1000 artigos publicados na imprensa mineira, goi­ana, paulista e tocantinense, onde assina domi­nicalmente a coluna “Judiciário”, no “Jornal do Tocantins”, de notas, comentários e jurisprudência  e a ‘Coluna do Liberato”, no jornal “Folha Popular“, de Palmas-TO

·  Conferencista, tendo percorrido pratica­mente todo o Brasil em se­mi­nários, en­contros e ou­tros eventos, proferindo pa­lestras sobre temas jurídicos e culturais em geral

·  Funda­dor e primeiro Presi­dente da Academia Tocantinense de Le­tras, cargo que ocu­pou por duas vezes

·  Autor da letra do “Hino do Tocantins”, escolhido através de con­curso público e apro­vado pela Lei Estadual nº 977, de 20/04/98

·  Membro do Conselho de Cul­tura do Estado do To­cantins

·  Autor da proposta de criação da Escola Superior da Magistratura do Estado do Tocantins

·  Presidente Estadual do Instituto dos Ma­gistrados Brasileiros;

·  Diretor-Geral da Escola Superior da Magistratura do Estado do Tocantins

·  Diretor da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGIS) para a Região Norte.

 

   

COMENDAS E DISTINÇÕES

 

 

·  Condecorado com a Ordem do Mérito do Estado do Tocantins, no grau de Grande Ofi­cial

·  Condecorado com a Ordem do Mérito Judiciário do Estado do To­can­tins

·  Condecorado com a Medalha do Mérito Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.

·  Cidadão Honorário da Cidade de Natividade-TO

·  Cidadão Honorário da Cidade de Taguatinga-TO

·  Cidadão Hono­rário da Cidade de Tocantínia-TO

·  Cidadão Honorário da Cidade de Gurupi-TO

·  Teve seu nome aprovado para o Fórum Muni­cipal de Dianópolis-TO, por lei da Câmara Muni­cipal daquela cidade, distinção que dispen­sou

·  É citado, em verbete, nas seguintes publicações de cunho literá­rio: “Enciclopédia da Literatura Brasileira” (Edição do MEC, 1990), “Estudos Literá­rios de Autores Goianos” (de Mário Ribeiro Mar­tins, 1996), “Escritores de Goiás” (de Mário Ribeiro Martins, 1997), “Estante do Escritor Goiano” (do SESC, 1996), “Pe­quena História da Literatura Goiana” (de Alaor Barbosa, 1995), “Dicionário Biobli­ográfico de Goiás" (de Mário Ribeiro Martins, 1999), “Dicionário Biobibliográfico do Tocantins” (de Mário Ribeiro Martins, 2001).