(12/11//2004)
BANZO
OU SAUDADE
José
Cândido Póvoa – Advogado e poeta
Quando criança aprendemos que os sentimentos nascem no coração, agora, já com boa parte do caminho percorrido, começo a entender que nascem, primeiramente na alma e numa conexão que não sabemos explicar, explode nos batimentos do coração. Seria saudade ? Creio que sim, afinal trata-se de um sentimento que considero um dos mais nobres do ser humano. Do meu futuro livro, que ainda tento publicar, pinçei o poema intitulado SAUDADE. Hoje meu coração amanheceu frágil e fértil/ Sentindo saudades de quem não merece saudades/ Mas quem sou eu para desafiar meu coração/ E não sentir saudades de quem merece saudades ? O que faz-me recordar alguns acontecimentos, entre os quais o seguinte: O Colégio João D’Abreu, em Dianópolis, realizava anualmente um retiro coordenado por padres Jesuítas, que deslocavam-se de Belo Horizonte para essa finalidade. Era um semana de completo recolhimento espiritual e de várias descobertas vocacionais, nas mulheres para serem freiras, em nós homens, para sermos padres. Não fugi à regra. Dos doze para treze anos, empolgado com a pregação daqueles mensageiros do Evangelho, após o consentimento feliz dos meus pais (afinal teríam um padre na família), desloquei-me para a capital mineira e passei a ser seminarista no Colégio Inácio de Loyola. Tratava-se do primeiro afastamento do meu querido lar, onde a vida, junto aos meus outros nove irmãos se apresentava como um paraíso aqui na terra. No começo, cidade grande, tudo novidade. Com o passar dos dias, comecei a sentir que seria impossível viver distante das pessoas e das coisas que tanto amava. Meus pais, irmãos, meu quintal, a cisterna, os pés de manga e os amigos de infância. A saudade passou a ser companheira do cotidiano. Ao amanhecer, sozinho num apartamento, lembrava-me da grande cozinha de minha casa e o café da manhã acompanhado de deliciosos bolos preparados pelas mãos mágicas de fada da minha querida mãe e de Dadinha (irmã e mãe adotiva). Nas refeições, sentia falta da reunião de todos em volta da grande mesa, que mais lembrava a santa ceia, quando disputávamos o privilégio de servirmos um copo d’água pós refeição ao nosso pai ou mãe. Onde aprendemos que hora de refeição é hora sagrada e de silêncio. A qualquer desordem, um olhar do meu pari, apenas, e tudo se acalmava. Ao entardecer, meu quintal, com múltiplas árvores, batia forte em minha alma. Até o farfalhar das folhas fazia falta ao meu coração. Comecei a sentir-me num deserto. Abandonado. Sozinho. E a pior solidão é aquela onde você encontra-se rodeado de pessoas e fatos que não lhe interessam. Nada conseguia contentar-me, até que recebo a visita de um primo, que à época residia na mesma cidade. De tudo ele fazia para distrair-me, mas a saudade da minha terra e minha gente falava mais alto. Resolvi abrir minha alma para ele. Confessei que sabendo ser eu descendente de negros e índios, se ali permanecesse, estava fadado a morrer de “banzo” (saudade que dizimava os escravos longe de sua terra). Como não existia telefone em minha cidade natal, tudo se resolveu por telegramas. E retornei à minha terra natal. No abraço dos meus pais, senti que eles preferiam um filho próximo a um padre distante e voltei a encontrar-me com as mínimas coisas que antes não dava valor (os homens costumam ser assim). Mas pensando bem, se padre pudesse casar e eu conseguisse encontrar uma esposa, companheira e amiga como a que tenho e os filhos amigos que nos acompanham, com certeza, hoje, nossa numerosa família contaria com um padre.
(publicado no Jornal do Tocantins em março/2003)