José Alencar Costa Aires

ÚLTIMO TANGO

O último tango foi aquele
que dos pássaros
nenhuma palavra eu soube decifrar.

A última prenda foi a outra
a que da clave da vida
recolhi o meu silêncio.


A última música não foi a festa
não foi a música
foi o espanto que de repente
inaugurou seus olhos.

O perdão não foi aquele que inventei
foi o momento simples de chuva
em que deposite em suas mãos
a capacidade de entender.

A raiva foi apenas a porta entreaberta
onde minha permissão estava trancada
na ponta do seu desejo.

A pressa foi aquela em que não tive
tempo de compreender
a emoção calma do tempo
envelhecendo as coisas.

O último tango
foi aquele momento excessivo de vida
que me deram
e não compreenderam
que eu necessitava apenas de nada.

DESLUMBRAMENTO

Que a ilusão não parta antes que te tenha
e que eu me sinta livre e só e, supostamente
amargo
para supor um sonho
que me levante para o deslumbramento
de te haver encontrado.

Não é tarde, não é cedo, não é nunca.
Só existo marcando o pêndulo do momento de te ver.

E vou andando para os dias que o amor me espera.
Não importa o porto
Não importa a hora.
A felicidade é uma surpresa antiga e
silenciosa
que chega antes mesmo de chegar.

Calo o pensamento
e deixo chover na alma.
Deixo o coração compreender minha vida
a espera de chegares de repente
sorrindo, entendida
feliz de me entender feliz.

EXTEMUS

É tempo ainda
e já há quanto estou voltando...
Nada me soa com o grito que interfere as grandes
chegadas,
porque tudo é simplesmente igual
páginas lívidas ancoradas em porto
onde a memória é o castiçal noturno.

Bonito foram meus dias
clamas as minhas tardes.
Onde esqueceu-se de mim as volúpias
que antecedem a primeira juventude!
Onde ficaram os meus dias jorrando o cromo
das surpresas...
Por onde se repartiram os pássaros!...

É tempo ainda
e meus olhos estão cegos pela brancura
de alguma luza.
Existe um gume na tonsura da noite
um archote que não se extingue no meio da minha
vida.
Porque vaza o meu silêncio a procissão dos
medos!

Ainda é cedo
e já quase estou chegando
para o derradeiro instante das coisas.
Porque este encanto fluindo lento
como se estivesse à beira da penúltima
expectativa!

Ainda é cedo
e só eu sei dentro de mim
onde guardo as emoções inaugurais
de minha íntima existência.

Sou assim
gerado como a lenda
fecundado nos abismos
onde não se desencantam os
homens.
Sou a última prenda dada aos pássaros
na sabedoria da volta.
Sou o prisioneiro
consumindo-se de tempo e memória.
Roubasse o meu alcance das mãos de minha
vida...

Agora é tarde
lá fora o chuva cessou
deixando um verniz no tempo.
Os pássaros balançam docemente
na melodia dos galhos.
Tudo de repente está extinto
como os grande inícios.
Alguma coisa está sendo proibida
dentro de minha alma
e só eu compreendo esta tristeza
quando as flores perfumam
feliz indiferença.

IMAGENS

De outra,
que o sono rebentou o aquário verde
e na pele da imagem
outras cores não foram
que a metálica visão
qualificando o concreto assombro.

Se não fora o poder
de jazer ainda inerte
entre o casulo e a possibilidade
de outras eclosões
não deixaria o moinho
que a vida empresta
manipular a carne de outras verdades.

De quando o galo
num íris vermelho
aprofundou tanto em descobrir...
que rugas começaram a amanhecer
de minha pele
como um recado erosivo
cobrando as nuanças de ontem.

Que de um filme,
repartidas cenas
obstruiu meu comportamento
e eu não recebi o lugar
de onde morcegos surgiram
povoando espaços de meu íntimo.

Restou
que dos homens rescendia uma intimidade crua
e tinturas de paisagens
foram dando perfumes às minhas lembranças.

E amanheceu um ritmo
clareando o quarto e o dia
e nenhuma visão nova
acelerou o postal da vida.

E eu fiquei uma bromélia
no viço da expectativa
quando nada mais pode restar
que a fragilidade de um homem sonhado.

O FILHO DA CASA DOS PÁSSAROS

quem teria tempo de estender as mãos
e tocar o pulso destes versos
e fitar o rosto destes versos
e com uma fração qualquer de sinceridade
dizer apenas: nada posso fazer meu filho
se todas as brochuras te esperam
para matar-te de silêncio!
quem teria tempo de entender
a família destes versos
a labuta triste destes versos
a humildade rude deste menino
que foi brincar de ser um pássaro
e se perdeu nas mãos dos homens
como uma pedra que não cansa
de chorar o seu retorno!

quem pousaria os olhos nesta dor
que vem dos olhos simples destes versos
que vem da clave muda destes versos
para entender o reino deste menino
primo da música e das abelhas
filho do tempo e do etéreo
filho das coisas que em silêncio
canta para ser eterno!

quem roubaria uma só palavra
de seus olhos, de sua boca
para a velhice destes versos
e no funeral deste menino
inscreve apenas:
Aqui jaz os restos mortais
das coisas simples
deixou como parentes: as flores,
as formigas e as fontes
residia no colo dos coqueiros
era filho da casa dos pássaros.

INTIMUS

Teria sim,
que dos olhos fosse a última visagem
este creme de luz no pelo de meu corpo
como um anúncio de arco-iris
embalsamando-me de vida
para que eu retornasse dos canteiros:
árvore florescendo pássaros
flores procriando fontes
depois, no dedal de inesperada estrela
compusesse o último verso
que me retornasse a surpresa lenta
de que nada tivesse inventado.

Teria sim,
que de tua boca
apenas o silêncio ficasse solto
como este desespero em teus cabelos
esta página que me inaugurasse
largando esta risada na cara
da minha vida.

FOZ DE MINHAS IDÉIAS

Minha vida tem raízes estranhas!
sempre me flagrei surpreso
são determinados sustos...
nunca procurei razões que se ocupem
de entender o que nunca fui
permiti a mim caminhar meus caminhos
soletrar meus próprios erros
na foz de minhas idéias
no ermo de meus sonhos

quem de si se encoraja
de entender-me um pouco
decifrar meus rumos
subentendidas formas
de eu viver minha vida!

quem entenderá que sofro
que me vendi ao diabo
que meu diabo é deus
que sou fraco e forte
que sou velho amigo
de mim mesmo e muito
e quando posso eu peço
a natureza minha
que me dê tristeza
pra suportar a vida
esta alegria demais!

quem deterá o fluxo
de meus corsários sonhos!
quem chegará cantando
que amei na vida
que roubei segredos
que matei um Deus!

quem me acordará cantando
na madrugada minha
uma canção na cara
e quem passará por último
e sorrirá depois
que eu entender chorar!

quem me permitirá
um consolo terno
que me abrace e vença
o medo de ao meu lado
se misturar de mim!

e que apesar de tudo
fique triste e simples
escutando o tempo
pelas mãos da gente
consumir-se em vida!

quem ao meu lado é forte
sem temer a lama
que me atiraram em cima
e tocará meu rosto
e tomará perdão
compreendendo o fel
da bruta boca alheia!

quem sorrirá comigo
um certo ressurgir
da alma e do meu corpo
e vê que sou bem novo
e vivo uma certeza
ilimitadamente...

e quem me esperará
que só eu me espero
e me acompanho e luto
pro amanhã de ser
uma outra nova busca
incansavelmente...

quem entenderá
de que sou feliz
pra avaliar o mundo
que me mata dentro
quando a permissão
de um sentimento quebra
e quando a afirmação
de um outro amor se cala
restando só a verdade
absolutamente...

quem em noite fria
desperta de um calor
trazido da vontade
de ser grande e louco
e se volta lento
machucado e forte
retomando um sono
e voltando ao mesmo sono
incompreensivelmente...


Volta