Memorial dos princípios
Gesimário de França Carvalho*
Fosse uma coisa de se aprisionar, meu caro,
e eu te mostraria um colar de pedras várias.
Espancaria sua sensibilidade
como um boxer renitente.
Seria sóbrio aqui, esperançoso acolá,
e, volta e meia, me daria o direito
de ser dramático,
secar, de flanela, lágrimas que impossibilitei.
Meu compasso aqui não é esférico
(não é geometria);
meu passo não entende meu coração;
e pulso como quem tropeça
na incerteza dos olhos.
Tenho uma vaga lembrança do relógio;
um mero conhecer do calendário.
Todos os redemoinhos do rio Tocantins
são plágio da minha dança.
A serra do Carmo
persiana o meu leste
eternamente chuvosa,
neblinosa, distante
quase tanto quanta algumas lembranças.
Vou me diluindo, me recompondo,
na vastidão da Teotônio.
Me imagino pedaços de belo,
minha estética mais fina
estampada nas suas flores simétricas.
Talvez nem fosse apenas isso:
um semblante apreensivo
sob o sol escaldante.
Mas tristeza é cortiça: emerge.
Além do quê
o espaço exíguo das moradas
comprime nossa expiração
numa quase autofágica consumação.
Mas tudo tem laivos de doçura.
Tudo...
E eu creio, tanto quanto existe
o sorriso bonachão dos girassóis,
que florescemos.
Por isso,
por essa alagada paisagem,
nós depositamos, zelosamente,
nossas saudades
no oratório do dia a dia,
como quem escreve cartas
ao dia de amanhã.
*Poeta e Professor