TERRAS DURENSES SOB A ÉGIDE DAS HIDRELÉTRICAS
ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO*
06/07/2008
Já dizia os poetas-compositores Sá & Guarabira: “O sertão vai virar mar, dói no coração [...]”; do outro lado, Geraldo Vandré retrucava: “E o mar vai sertão”. Noutra parte, a poesia de protesto de Roberto e Erasmo Carlos sabiamente advertiram: “não somos contra o progresso, mas apelamos pro bom senso. Um erro não justifica o outro, isso é o que pensamos.” É nesse contexto de água engolindo sertão, pelas mãos de um progresso vazio, que vamos abrindo nosso verbo de insatisfação.
Aderir à marcha indiscriminada do progresso, em dias principalmente em que se pugna tanto pela defesa do meio ambiente, como ECO-92, Pacto de Quioto, chega revelar cinismo. O Duro, agora, é a bola da vez, onde se mata a história, a vida, para se vender energia das águas. Por isso, merece refletir que a expressão: “o progresso traz malefícios e benefícios”, soa como epigrama antes que sabedoria.
Quando a “Terrinha” viu a maravilha dos “Azuis” ser tragada pelas usinas de calcário, de legado também ganhou o pó branco, sujando suas varandas e terreiros, sem embargo das máquinas possantes abalando o chão duro que São José abençoou. Por algum tempo, a corrida pelo ouro de tolo tomou as ruas da pequena cidade e o comércio entrou em êxtase, para depois se amargar pelos calotes.
Os alpinistas são assim: da mesma forma como vêm, camuflados em pele de cordeiros, na condição de impulsionadores do progresso, no mesmo passo, na penumbra da noite, arrumam a viagem de volta, com a algibeira cheia da fortuna, granjeada em mais uma aventura. De herança, deixam, esporrado no ventre de inocentes moças, o pó das usinas hidrelétricas, que nutriu o último conto de novela.
Dias depois, eles retornaram em busca do sonho do diamante. E desta feita, o paraíso medicinal, “Lagoa Bonita”, foi a vítima. Recebeu como herança, o abatimento dos saudosos sumidouros, além de uma camada de lodo disperso em sua superfície, sem prejuízo do isolamento da Lagoa Funda. Mas, restaram as fotografias, os casos, os contos. De saudade, também, se vive.
Logo depois, alguns anti-estadistas, vendilhões dos santuários do Duro, rifaram a Cachoeira da Luz. Foi-se a famosa Queda D´Água. Agora, em torno de tudo, é hidrelétrica, minando a fauna e a flora do Tocantins.
Eles chegam, sem pedir licença, e arrancham. Ganham bastante dinheiro, e nada ou pouco se aplica no lugar. Mas, deixam imundícies, os seus excrementos. Na polis, também, fica o buraco, as dívidas, as ilusões, e a súbita desertificação no caminho da volta, contrapondo-se o vetusto aspecto pacato, que, todavia, desposava o puro e o belo.
Sob a égide das hidrelétricas, que se impõem sob o carro-chefe de geração de empregos, e da marcha inexorável do progresso, apaga-se, do dia para a noite, fazendas, chácaras, trilhos, que a história da gente do Tocantins rabiscou, ao longo dos anos, com o suor, sangue, dignidade e honradez.
Não se há que falar que Dianópolis-TO não possui um meio de renda. Ora, Dianópolis é eminentemente turística, agrícola e pecuária. E aí, sim, deveriam ser canalizadas gestões de estímulo e orientação, neste sentido, pois que as Carteiras Agrícolas e Pecuárias estão sempre disponíveis no BASA e no BB. Ao revés de usina disso ou daquilo, que apenas cria falsas expectativas de geração de empregos e desenvolvimento da região. Pois que, uma vez feita e acabada, a história é outra. Vem o estrangeiro adquire as cotas, e deixa apenas uma pessoa para manutenção, e descarga ao meio ambiente, e lava às mãos em relação ao povo e gente do lugar.
Hoje, os rebentos do local, filhos e netos daqueles que resistiram heroicamente às baionetas das milícias goianas, e garantiram a independência de Dianópolis, ironicamente são os mesmos que se encolhem por entre os lugares, porque uma cidade está sitiada por aventureiros, que à noite se transmudam em noveis engenheiros, e anestesiam os corações de moças estereotipadas de catilangas ou periguetes.
É assim que segue a Princesinha do Sudeste do Tocantins. O sertanejo de cá, contando a hora da volta, vê as estações do progresso demente, engolindo a sua história. Ele lembra que foi parido sob o símbolo da resistência, e por isso não pode emudecer ante a demência de uma anti-evolução, que de forma desautorizada busca extirpar os quintais do seu tempo.
Confiança é a palavra de ordem. Esperança o último dos recônditos divinos. Por isso, Ele sonha e espera, que o seu lugar, ainda possa ser o seu lugar, apesar das águas revoltas noticiarem a iminente tomada do sertão. Aliás, de cá já se houve o berro encurralado do “Cavalo Queimado”, adivinhando dias infelizes para sua exuberância.
O silêncio dos que podem fazer, e nada fazem, será o eterno remorso de quem tem o poder, mas não compra a felicidade, porque já matou a vida, pela omissão; eliminou a história, e rabiscou o mapa hídrico do Tocantins em troca de tesouro nojento.
Os filhos do lugar, entre ruas estreitas, num território de camelódromos, são alvos de observação à espreita, com certa desconfiança. Nós somos agora os intrusos. E, por isso, nos recolhemos, tornamo-nos fugitivos, em nossos próprios bandos, sitiados por nobres aventureiros.
O prédio da velha escola, a igrejinha, a casa materna, as ruas e os lugares são as marcas indeléveis dos últimos trilhos. Agora o êxodo é introverso. A ave do norte perde seu ninho, para aves de revoadas passageiras. Tem nada não. Eles são pintassilgos, que fazem muito barulho e deixam muitos côcôs, mas depois vão embora e as vassourinhas do cerrado, podem tudo lavar.
Enquanto isso, a velha máxima de Roma: panis et circences vai resignando o povo, entre circo e pão, até a nova safra da eleição, que se aproxima, onde muitos showmícios, doses de pingas, amortecerão os corações, até a próxima estiagem.
Outrossim, nem só de tristeza, vive o povo. Por isso, este vai restaurando a sua alegria, pensando com os pés da equipe Juventude, como já disparou o veterano jogador Roberto Dinamite: “no Brasil se pensa com o pés, o cérebro fica para depois.” Certo ou errado, o axioma do ex-jogador, cabe refletir que o time de futebol Juventude aproximou novamente o rebanho, fazendo relembrar, equipes como Cometa, Guarani....
Enfim, quando o mês de junho mandava notícias, pela Serra-Geral, de vento e poeira, o sertanejo adivinhava o frio e a seca. Agora, com a agressão à fauna e a flora, o Dianopolitano vive o clima abafado, primeiro efeito colateral das barragens. Amanhã, quem sabe, as chuvas extemporâneas dêem a primeira resposta às perdas de plantações e a elevação dos preços dos alimentos demonstre que nem tanto salário de hidrelétrica, consiga alimentar tantas bocas, fora do período eleitoral, sem vales disso ou daquilo outro.
Bom senso é a palavra de ordem, para que no progresso não prevaleça malefícios em detrimento de benefícios e, principalmente, nem o mar vire sertão e, nem tampouco, o sertão se torne mar. Ora, a idéia de René Descartes era: nem tanto aos céus e nem tanto aos mares. O vil metal não restaura a ferida da natureza, principalmente, porque a reação desta, já emite os primeiros sinais insuportáveis da estufa diária, na terra das Dianas, onde por muitos anos o clima foi agradável, com notícias de chuvas pela Serra Geral. Se o homem não se entende mais com a natureza, não há razão que justifique mais a sua subsistência.
* ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO - Advogado e Professor Universitário