De deuses, homens e divindade

 22/12/2009

Osmar Casagrande 

 

Eu li, senhores, eu li!

Li a obra mais importante escrita por um tocantinense nos últimos tempos (últimos tempos em sentido histórico). Trata-se de “Livros Sangrentos”, de Dídimo Heleno Póvoa Aires.

Pois não é que o nosso caríssimo Dídimo fez um estudo profundo dos 5 primeiros livros que compõem o Velho Testamento e, com paciência de Jó, anotou ali as incoerências, inconsistências, absurdidades e estranhezas? Pois foi. O livro está ótimo e recomendo que todos o leiam. Aliás, deveria ser obrigatório nas aulas de religião, que estão enfiando goela abaixo do brasileiro.

Mas, o que me traz a estas linhas não é o livro do Dídimo. É o escritor Dídimo. Explico-me. Dídimo está colhendo frutos amargos por conta de sua ousadia de liberdade. Os amigos se afastam quando ele passa, abrem um amplo espaço no balcão costumeiro, quando ele adentra o bar, desviam olhares, falas e intenções. Alguns, mais ousados (ou mais covardes) lançam mão da cruz que trazem atada ao pescoço e a apontam em direção do nosso querido amigo. Por isso estou aqui, para conversar em ampla roda (onde cabem todos os leitores deste veículo), a respeito do assunto.

Meu bom Dídimo, aqueles “amigos” que já eram, nunca foram seus amigos. E, em tendo sido amigos, nunca foram cristãos, porque, nesse particular de hostilizar os amigos, o Cristo deixou um ensinamento específico: “Amai os vossos inimigos”. Se é para amar os inimigos, o que dizer, então dos amigos? Segue-se que, ou não eram seus amigos ou não são cristãos.

Repare que você fez uma análise cristalina dos atos daquele Deus terrível que se intitulava “Senhor dos Exércitos” etc, em contraposição a outros Deuses (sim, se um merece a maiúscula, todos a merecem. Questão de democracia!). Aquele ser, que tão bem e tão profundamente orientou e desempenhou papel primordial na história do povo judeu obedecia, no imaginário daquele povo, os parâmetros da ideia sobre Deus para aquela comunidade, naquela região geológica e para aquela época histórica. Um Deus todo amor e perdão não cabia naquela concepção. Era o Deus da “porrada”, mesmo, porque o homem era exatamente assim, com a ideia da servidão plantada fundo nas almas. Note-se que estamos nos referindo à Bíblia, que foi escrita há mais de 5.000 anos. Para aceitarmos aquela ideia de Deus teríamos que recuar 5.000 anos de evolução e desenvolvimento tecnológico!

Mas não quero entrar em minudências onde você, Dídimo, foi tão perspicaz. Quero apenas dizer que você está atrasado em sua denúncia, em coisa de 2.000 anos.

Aí pelo ano zero, o protagonista dessa “nova história”, um judeu chamado Jesus de Nazaré,      amplamente conhecido como “Cristo”, “Unigênito de Deus”, “Divino Cordeiro”, “Divino Amigo” e outros conceitos, já tinha observado a série de absurdidades, os desmandos, a atitude de terror orientada pela tradição daquele Deus sanguinário e, sem ter feito campanha contra o que estava escrito, lançou um discurso maravilhoso de renovação. O homem foi radical. Onde a ordem era “aborrecer o inimigo”, ele mandou generosamente: “amai os vossos inimigos” e, ao observar os ritos, os sacrifícios, os atos de coação e extorsão que se praticavam (e se praticam) em nome de Deus, resumiu a patacoada toda numa frase muito simples, embora de profundidade enorme: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” e juntou, para demonstrar que todo o cabedal anterior já não tinha razão de ser: “eis aí toda a Lei e os profetas!”.

Claro que as reações foram rápidas e beligerantes. Então ele alertou: “Cuidai que vim destruir a Lei? Não, não vim destruir a Lei, mas vim para que ela se cumpra”.

Pois a Lei se cumpriu e se cumpre, Dídimo. Hoje, 2009 anos depois, as consciências já evoluíram um tanto, apesar de que há claros nichos resistentes, agregados na estrutura religiosa de 5.000 anos atrás. E quando digo que a consciência evoluiu, é facílimo comprovar, pois àquele judeu que ousou propor uma nova ordem onde impera o amor, restou o Calvário, a tortura na cruz (é interessantíssimo como endeusam esse instrumento de tortura!) e todos os opróbrios possíveis. A ti, meu bom Dídimo, abrem espaço, negam a amizade, negam o parentesco, apontam o histórico instrumento de tortura... mas só apontam. Não haverão de pregar-te à cruz.

Como vês, Dídimo, esses que te acusam de coisas terríveis, não são cristãos. Estão com as consciências presas numa época que já não cabe na imensidão de amor que o Cristo disseminou. E é através dessa concepção de amor que você observa os atos daquele “Deus” terrível, cheio de preferências e preconceitos. Por isso, Dídimo, pela tua coragem, pela tua acuidade de observação e pelo trabalho que o Cristo implantou nesta humanidade, digo sem receio qualquer: eu te amo.

 

 

Osmar Casagrande, escritor, poeta, publicitário, ator, gerente de literatura da Fundação Cultural do Estado do Tocantins e membro da Academia Palmense de Letras.