FOTOGRAFIAS PARA O FUTURO
Dídimo Heleno Póvoa Aires*
29/10/2003
Aonde
vai, minha mãe leva sempre consigo um punhado de álbuns de fotografia
e uma máquina fotográfica a tiracolo. Quando avista algum conhecido,
saca a parafernália e expõe os seus filhotes, netos e demais parentes.
Ninguém vai à sua casa sem antes dar uma olhadela em algumas fotos,
vez que minha mãe nutre pela arte de fotografar uma paixão
contagiante. Eu, que de fotogênico não tenho nada, sou muitas vezes
obrigado a me posicionar para um flash em ocasiões as mais inesperadas.
Minha cara gorda preenche vários álbuns que pobres visitantes são
intimados a ver.
Agora
ela teve a brilhante idéia de fotografar, em Dianópolis (cidade onde
mora), pessoas idosas, bem como aquelas que sofrem de algum distúrbio
mental. Já reuniu inúmeras fotografias. Sua intenção é formar um
banco de dados, com os rostos que, daqui a alguns anos, já não mais
estarão entre nós e que, muitas vezes, passaram por toda a vida sem um
simples registro.
Dessa
empreitada, ela nos conta que tem sido muito bem recebida por todas as
pessoas que se dispõe a fotografar. Algumas senhoras, ainda vaidosas,
até tentam se maquiar para saírem mais bonitas, no que são
repreendidas pela dedicada fotógrafa, que prefere mais originalidade em
seu trabalho. As rugas são fundamentais em suas fotografias, até mesmo
porque são elas que nos transmitem a experiência de vida do
fotografado. As rugas são as verdades de suas fotos.
Muita
gente tem ido à casa de minha mãe, pois fica sabendo de seu Projeto e
se oferece para ser fotografada. Não é raro encontrá-la em pleno ofício,
ajeitando rostos inquietos, distribuindo palavras de incentivo e
gastando filmes e mais filmes, em busca do melhor ângulo. Estou
orgulhoso da iniciativa dela. Está sabendo envelhecer bem (embora ainda
esteja longe disso), fazendo uso de sua imensa criatividade e
contribuindo para o futuro histórico de sua gente. Se lhe faltam
recursos financeiros, sobram-lhe senso de oportunidade e inteligência,
visto que poucas são as pessoas que transformam uma boa idéia num
grande prazer. Com uma câmera na mão, ela está resgatando vidas.
Num
País em que não existe memória histórica, atitudes como as de minha
mãe – que é uma pessoa
comum, sem formação em fotografia – reacendem em nós a esperança
de que nem tudo está perdido. E a história é feita por seres humanos,
que são os grandes protagonistas dos acontecimentos. Um dos mais
respeitados fotógrafos da atualidade, o brasileiro Sebastião Salgado,
publicou o livro Êxodo, em que, através de fotografias, conta a história
dos deslocamentos dos povos, em todos os cinco continentes. Com seu olho
clínico, registrou momentos preciosos, muitas vezes cruéis, da
realidade, do contraste entre a bonança da Europa e a miséria da África.
A fotografia tem esse poder de registrar o instante, como se fizesse o
tempo parar naquele momento único, estático. Minha mãe, guardadas as
devidas proporções em relação a Salgado, também está captando os
momentos singulares das pessoas que fazem acontecer o cotidiano e que,
com mais ou menos importância, participam da vida e contribuem para a
construção do futuro.
Na
imagem muda da fotografia, os fotografados podem contar, através dos
olhos e dos vincos de suas faces, as mazelas de suas próprias vidas.
Daí, de acordo com a sensibilidade de cada um, pode-se retirar
alguns exemplos e ensinamentos. Existem inúmeras formas de não deixar
que o ócio acabe com a vontade de viver bem, depois que se aposenta.
Uns preferem tocar algum comércio, outros dedicam-se aos labores agrícolas.
Minha mãe, unindo o útil ao agradável, optou por contribuir com a
história de seu povo, o que torna seu ato ainda mais nobre.
*DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES é filho de Dídimo de Melo Aires e Maria Helena Cândido Póvoa Aires. Nasceu em Dianópolis, Estado do Tocantins, no dia 15 de dezembro de 1970. Terminou os ensinos fundamental e médio no Colégio João d’Abreu, naquela cidade. Formou-se na Faculdade de Direito de Anápolis, Estado de Goiás, no ano de 1996. Durante o curso, trabalhou como assistente jurídico da 3ª Promotoria Criminal da Comarca de Anápolis, cujo titular era o Dr. Abílio Wolney Aires Neto. Por um curto período, advogou em Goiânia, na área de licitações e contratos, no escritório do então advogado, Dr. Marcelo Conceição Aires. Retornou ao Tocantins no início de 1997, vindo a residir em Palmas, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete parlamentar. No mesmo ano casou-se com a bióloga Lêda Aires, com quem tem dois filhos, Eduardo e Ricardo. Em 1998 foi nomeado chefe de gabinete da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Tocantins. Em 1999 foi nomeado assessor jurídico de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, cargo que ainda ocupa, lotado no Gabinete do Desembargador Luiz Gadotti. É titular das cadeiras nº 08, da Academia Tocantinense Maçônica de Letras, e da nº 16, da Academia Palmense de Letras. É articulista-colaborador do Jornal do Tocantins desde 1993, e autor dos livros ARTIGOS E CRÔNICAS (Ed. Kelps, 2002); OS IMPOSTORES (conto); OUTROS ESCRITOS – VOL. 1; OUTROS ESCRITOS – VOL. 2; e DE ADÃO A MOISÉS: O PENTATEUCO SOB A ÓTICA DE UM LEIGO. É autor do ensaio PALESTINOS E JUDEUS, texto que retrata o conflito existente entre esses dois povos. Em parceria com Lêda Aires, sua esposa, organizou o livro TEXTOS ANARQUISTAS, obra que reúne diversos escritos raros de autores como Oscar Wilde, Mikhail Bakunin, Leon Tolstoi, Emma Goldman, Joseph Proudhon, Henry Thoreau, entre outros. Ministra a palestra PARA ENTENDER O CONFLITO ENTRE PALESTINOS E JUDEUS, síntese histórica que abrange religião, Império Romano, nazismo, II Guerra Mundial e a correlação do entrevero com os ataques terroristas perpetrados contra as “Torres Gêmeas”, em Nova Iorque.