26/02/2005
QUANDO ALGUÉM SE VAI
José Cândido Póvoa
jcpovoa@hotmail.com (*)
Quando alguém que estimamos se vai para sempre, é como se a natureza desse uma
pausa no seu ciclo natural de vida. No dia seguinte, então, notamos que as
flores não têm cores e todas murcharam, dando a sensação de que nunca mais
nascerão outras. Parece-nos que o poeta não mais rimará, o cantor se emudece,
as águas dos rios não correm e tudo se entristece. Como se o dia se
transformasse num eterno crepúsculo nublado, sem aquele sol avermelhado que
morre cheio de vida na certeza de nascer numa nova manhã. Todos nós já
passamos por isso, de uma forma ou de outra. Quem não se despediu de uma
pessoa amada ? De um pai, mãe, esposo(a), filho(a) ou de um(a) amigo(a)?
Qualquer humana-despedida, cada afastamento por ínfimo que seja, o desconforto
de que o tempo não passa e a distância por menor que seja, parece
intransponível, mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde essa pessoa
retornará. E quando alguém se vai para sempre, aí, então, o sentido do vazio é
maior do que a capacidade que temos de entender o mistério da morte. Quem
nunca perdeu um ser que fazia parte de si ? Que dividia as alegrias e
tristezas ? Acredito que todos nós. Afinal somos humanos, extremamente
limitados e nunca estamos suficientemente preparados para esse rompimento,
ainda mais quando vem e leva uma pessoa tão íntima e querida como uma mãe. É
quando sentimos que o nosso coração, de rio caudaloso e perene, em segundos
transforma-se num frágil e tímido riacho, correndo para o deserto.Em dois
pequenos hai kais tentei, no devaneio de poeta, definir esse sentimento que
intriga o homem : “quando a saudade bate forte em nosso coração, constatamos
que ela é irmã gêmea da areia movediça.” Ou que “a saudade é como vinho tinto
derramado em toalha de linho branco.” Assim deve estar se sentindo a família
de Dª Ester, uma mulher pequenina, mas com um coração imenso. Em algumas
ocasiões trocamos idéias sobre as angústias que afligem as pessoas. Mas pelo
pouco que a conheci e nas vezes que pude com ela conversar, conseguiu
transmitir o que pensava sobre a amizade. Pois ela dedicava uma amizade muito
especial a uma pessoa que amo muito: Leandro. Ela o tinha como filho. Dava a
entender que concordava em parte com a afirmação de Maquiavel: “os homens são
geralmente ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro,
e, enquanto lhes fizeres bem, todos estão contigo, oferecem-te tudo, desde que
a necessidade esteja longe de ti. E que as amizades conquistadas por
interesse, e não por grandeza de caráter, são compradas, mas não se pode
contar com elas no momento necessário.” Em nossas informais conversas, fez-me
meditar muito sobre o preceito Bíblico: “quem é fiel no pouco, é fiel no
muito”. Assim também podemos medir as amizades. Por algumas vezes conversamos,
pois ela gostava de um bom bate papo, como todo carioca. Mesmo sem ter
convivido mais estreitamente com a grande pessoa que foi, conseguia vislumbrar
nela uma mulher de alma retemperada pelos percalços da vida e pelos
sofrimentos humanos. E assim, essa grande mulher, mãe, sogra, avó, se foi para
sempre. Sinto também sua falta. Deixou um grande vazio no coração dos amigos
e, principalmente da família. O que me força a questionar: quando alguém se
vai, medimos a saudade pelo tempo ou pela distância ?
*José Cândido Póvoa – Advogado e poeta –