PRIMEIRAS CHUVAS EM MINHA TERRA NATAL
José Cândido Povoa*
Dedico esta crônica às pessoas que guardam no recôndito do
coração
sua terra natal, por menor que ela seja.
Minha cidadezinha a exemplo de milhares de outras por esse Brasil
de meu Deus, está incrustada a poucos quilômetros de uma bela serra,
que por sua vez lhe empresta uma paisagem de cartão postal. Talvez por
essa beleza e pelo meu amor de filho, tenha guardado na alma a convicção
de que os trovões nasciam naquela Serra Geral. E todos os anos, na
mesma época, começo para meados de setembro, aquele barulho que lembra
coronéis cavalgando sobre as gerais, anunciava à Dianópolis que as
chuvas estavam chegando. Descalços, minha rua e eu, esperávamos o
momento mágico do ciclo da natureza que mais uma vez iria começar.
Minha encarregava-se do
cheiro da terra molhada. Meu coração de criança antevia os anjos que
em forma de gotas desciam do céu dependurados numa cortina límpida,
transparente, abençoando flores de cajus e frutas da estação e após
engravidar a terra quente e fértil, transformava-se em enxurradas para
juntos brincarmos como coadjuvantes do tempo. Construíamos pequenas
barragens que represavam as águas e meu mundo infantil. Redemoinhos se
formavam, espumas se levantavam e se transformavam em pequeno mar. E nós
juntos: os anjos, o cheiro da terra molhada e as mãos do inocente
construtor e artesão de sonhos. Um descuido apenas e as barragens, as
águas represadas, o cheiro da terra molhada, os anjos e meus sonhos
desciam ladeira abaixo, desaguando no Córrego Getúlio, que ficava
apenas a uma chuva da minha casa. Juntos buscavam um córrego maior,
depois um rio mais distante, que por sua vez encarregava-se de entregar
ao Rio Tocantins a missão de embala-los até o encontro com o belo
Araguaia e juntos entrega-los incólumes ao grande Rio Amazonas, que
carinhosamente os despejavam no mar. Os anjos, minha rua e eu nos
transformávamos em navegantes dessas águas, profundas e misteriosas.
Guiados pelas estrelas conhecemos muitas noites. Juntos, por diversas
vezes, vimos a luz nascer como rainha e logo depois entregar-se
completamente ao sol. Nos deliciamos e brincamos sobre imensas ondas.
Juntos sentimos frio e saudades (como o frio lembra saudade !) e
conhecemos ilhas e praias desertas. Numa delas ancoramos e todos os anos
aguardamos as águas das próximas primeiras chuvas que haverão de
chegar anunciadas pelos trovões nascidos na minha bela Serra Geral. Mas
as águas das próximas primeiras chuvas chegarão e não mais contarão
com o cheiro da terra molhada e os anjos não poderão brincar com as mãos
da criança artesã. E o momento mágico passará desapercebido por
quase todos da minha cidade. As águas correrão apenas pela dureza do
asfalto que o vulgar progresso encarregou-se de trazer, e, então, as águas
não encontrarão mais barreiras, não formarão redemoinhos e não farão
mais poesias e não mais encontrarão o Córrego Getúlio, agora destruído
pela ambição dos homens comuns e adultos. Somente os anjos continuarão
navegando em busca de outras águas e dos meus sonhos, que por serem irmãos,
um dia se encontrarão.
- publicado no Jornal do Tocantins em setembro/2001-
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA, nasceu em Dianópolis, cidade situada no Sudeste do Estado do Tocantins. Ali, no Colégio João d’Abreu, cursou o primário e o curso ginasial. Aos dezoito anos foi para Goiânia, onde residiu por muitos anos, casou-se com Maria Júlia com quem teve três filhos, Leonardo, Leandro e Juliana, e formou-se em Direito. Retornou ao Tocantins no início do ano 2001. No final da década de sessenta foi presidente da Seccional da CENOG – Casa do Estudante do Norte Goiano, em sua terra natal, quando foi realizado o último congresso daquela entidade, que tinha como tema principal a criação do Estado do Tocantins. Esteve depois disso, mesmo residindo em Goiânia, engajado no processo da criação da referira unidade da Federação. Tem várias crônicas publicadas em jornal de circulação estadual e alguns poemas na revista da Academia Brasiliense de Letras. Sendo este livro “Poemas Azuis” a primeira publicação, por inteiro, dos seus poemas, além de vários, gravados em “CD”.
José Cândido Povoa, passou sua infância e adolescência em Dianópolis, quando no seio da família composta pelos maravilhosos pais Pery e Stala, e os irmãos Péricles, Celeste, Carmelita, Cilêde, Denise, Ivone, Maria Helena, Álvaro e Stela Maria, além de Dadinha, descobriu os segredos da natureza, convivendo e vivendo no seu imenso quintal, onde conhecia todos os meandros e que fizeram nascer em seu coração os primeiros poemas. Desde o brotar da mínima e desapercebida flor, dos ninhos de feija-flores e outras aves que ali encontravam abrigo, até as floradas das mangueiras e deliciosos frutos das diversas árvores que compunha aquele local, ele participava. Foi sempre um admirador da bela Serra Geral que circunda sua terra natal e que na sua visão de poeta, faz lembrar um imenso e belo mar. Em muitas tardes de sua infância e adolescência, postava-se num ponto mais alto da cidade para apreciar os raios do por de sol iluminando aquela bela paisagem. Começou a admirar poesias através do seu avô, que também era José Cândido. Hoje residindo em Palmas, continua a curtir as belezas naturais que o Estado do Tocantins oferece. Quem o conhece sabe que sempre está contando e descrevendo em crônicas e poemas, as belezas das serras e rios que compõem o seu passado e presente.